No Abril Indígena, o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração lança Nota Técnica, que  é uma versão reduzida do relatório homônimo, desenvolvido ao longo de seis meses por quatro pesquisadoras com atuação prévia no Vale do Tapajós. Trata-se da apresentação do caso emblemático da Terra Indígena (TI) Munduruku, no escopo do complexo e multifacetado problema da garimpagem de ouro realizada (ilegalmente) no interior de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas.

Localizada no alto curso do rio Tapajós, sudoeste do Pará, e habitada tanto por comunidades Munduruku e Apiaká como por indígenas em iso- lamento voluntário, a TI Munduruku está localizada na margem direita do rio Tapajós, com uma área de 2.382 mil hectares. Junto com a TI Sai Cinza (também no alto Tapajós) e com a TI Kayabi (no baixo Teles Pires), essa Terra Indígena abriga cerca de 145 aldeias Munduruku. Há ainda terras Mun- duruku no médio Tapajós: as TIs Sawre Muybu e Sawre Ba’pin, e as reservas indígenas Praia do Índio e Praia do Mangue. Atualmente, a população Munduruku conta com cerca de 14 mil pessoas. 

Destacamos alguns pontos centrais desta nota técnica

  • O avanço da exploração garimpeira nas terras indígenas (TI) habitadas pelo povo Munduruku no alto Tapajós é explicitado pelo aumento expressivo do desmatamento.
  • Pesquisas indicam níveis preocupantes de mercúrio na população Munduruku do vale do Tapajós. A exposição ao metal se dá principalmente pela ingestão de peixes: base da dieta indígena. As principais origens da contaminação por metilmercúrio — forma mais perigosa deste metal — no Tapajós são atribuídas à garimpagem. Os danos da contaminação à saúde são diversos (neurológicos, imunológicos, digestivos etc.), e possivelmente irreversíveis.
  • A intensificação da atividade garimpeira tem gerado um surto alarmante de malária entre os Munduruku do alto e médio Tapajós. Essa doença aparece entre as comorbidades que podem agravar quadros de Covid-19. 
  • A disseminação da Covid-19 entre os Munduruku do alto Tapajós coincidiu com o aumento da pressão sobre as suas terras para exploração aurífera em 2020. Em 1 ano foram registradas 31 mortes em decorrência dessa doença.

 

  • A própria Fundação Nacional do Índio contribuiu para a inserção de garimpeiros na TI Munduruku, na década de 1980. Nos anos 1990, técnicos do órgão indigenista registraram a existência de um garimpo ilegal nessa TI, que segue ativo até os dias de hoje. O dono desse garimpo nos anos 1990 — liderança do movimento garimpeiro na região do Tapajós — é ligado a um delegado da Polícia Federal que foi preso em 2020 por acusações de vender informações a donos de garimpo do Tapajós.
  • A atividade garimpeira nas terras indígenas do vale do Tapajós tem perfil empresarial e é apoiada por uma rede de atores com expressivo poder aquisitivo e capital político. De empresários locais a deputados federais e senadores, esses atores vêm ganhando espaço na agenda do primeiro escalão do executivo e do legislativo federal desde 2019. Em setembro desse ano, tiveram uma das suas principais demandas atendidas: o fim da destruição de maquinário de garimpo ilegal flagrados em operações de fiscalização.
  • Os Munduruku vêm denunciando ao poder público as invasões às suas terras desde 1987. Fizeram sucessivas tentativas de acionar os órgãos competentes para retirar os invasores, protocolando denúncias para o MPF desde 2010. Somente em 2018 foram realizadas operações de fiscalização e combate à garimpagem ilegal nas TIs Munduruku e Sai Cinza. As operações foram insuficientes e falharam em garantir a proteção das lideranças contra represálias de garimpeiros. O problema se repetiu em 2020.
  • A garimpagem ilegal no vale do Tapajós tem gerado uma escalada preocupante nos conflitos da região e na insegurança dos indígenas. Garimpos dentro das terras indígenas põem em intensa circulação armas, drogas e bebidas alcoólicas, além de promover a exploração sexual de mulheres. Desde 2018, as principais lideranças indígenas contrárias à mineração vêm sofrendo ameaças de morte; o programa governamental para proteção de defensores de direitos humanos foi ineficaz no auxílio a essas lideranças. As associações indígenas que se opõem à exploração ilegal de ouro também têm sofrido represálias. Em 2021, a sede de uma dessas organizações foi destruída por garimpeiros em Jacareacanga.
  • Os Munduruku têm promovido ações contra a exploração ilegal de ouro em suas terras desde 1987. Por não contarem com o auxílio dos órgãos públicos competentes, e apesar dos diversos riscos implicados, em 2014 passaram a realizar ações autônomas de fiscalização territorial — que se repetiram em 2018 e 2021. Além disso, têm publicado diversas cartas ao poder público e à sociedade brasileira (28 delas analisadas neste relatório), e realizado ações nos municípios de Jacareacanga e de Itaituba, e em Brasília.
  •  O povo Munduruku tem desde 2014 o seu próprio protocolo de consulta, que indica como, onde e com quem devem ser realizadas oitivas relacionadas a projetos de lei, “empreendimentos” e medidas afins que afetem as comunidades Munduruku. É esse documento, e apenas este, que deve reger qualquer iniciativa dessa natureza.

 

Contrariando as afirmações de uma minoria aliciada de indígenas favoráveis à garimpagem ilegal, somente o coletivo mais amplo do povo Munduruku pode responder a proposições e projetos que afetam as suas comunidades. O Protocolo de Consulta Munduruku indica claramente como, onde e com quem a consulta livre, prévia e informada (de acordo com a Convenção 169 da OIT) deve ser realizada. É importante notar que esse protocolo é expressão legítima da autodeterminação Munduruku; tanto processos de consulta prévia como a aferição dos efeitos e impactos da garimpagem ilegal devem as determinações dos Munduruku, expressas no seu protocolo de consulta (MUNDURUKU, 2014a).  

 

Leia a nota completa: AQUI!

O Cerco do Ouro: garimpo ilegal, destruição e luta em terras Munduruku é uma publicação do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração – Abril 2021 – Primeira Versão. Coordenação do Estudo: Luiz Jardim Wanderley e Luisa Molina. Autoras: Ailén Veiga, Laise S. C. Silva, Luisa Molina e Rosamaria S. P. Loures.

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