É de conhecimento de grande parte da sociedade brasileira que o atual Presidente do país possui diversas divergências nos âmbitos políticos e econômicos com a maior parte das organizações que representam as populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, sem terras e camponesas do país. Os discursos políticos, as deliberações dos órgãos governamentais, e as propostas de lei dos seus aliados políticos no Congresso Nacional, reforçam o argumento de que os povos e organizações do campo e as áreas protegidas são entraves para o “desenvolvimento” nacional.

Essa política deliberada de descaso com a segurança e integridade dos povos originários, contribuiu para o crescimento significativo do número de conflitos nos territórios indígenas. Segundo o Caderno de Conflitos da Comissão Pastoral da Terra (CPT), houve um aumento de mais de 1.000% no ano passado em comparação a 2020. Das 109 vidas perdidas, 101 eram de indígenas do povo Yanomami, em Roraima. O estado possui a menor população entre os entes da federação, o último censo do IBGE (2010) contabilizou cerca de 450 mil pessoas, sendo a estimativa atual de que haja 650 mil, o que representa mais de 40% de crescimento neste período, que teria sido impulsionado pelo aumento da atividade garimpeira.

Roraima é o estado com a maior população indígena do país, mais de 55 mil indígenas, de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O maior percentual da população indígena reside no município de Uiramutã, onde está localizada a terra indígena Raposa Serra do Sol. Ao todo, existem trinta e duas (32) terras indígenas, sendo elas Ananás, Anaro, Aningal, Anta, Araçá, Barata, Livramento, Bom Jesus, Boqueirão, Cajueiro, Canauanim, Jabuti, Jacamim, Malacacheta, Mangueira, Manoa/Pium, Moskow, Muriru, Ouro, Pium, Ponta da Serra, Raimundão, Raposa Serra do Sol, Santa Inez, São Marcos, Serra da Moça, Sucuba, Tabalascada, Trombetas / Mapuera, Truaru, Waimiri-Atroari, Waiwái e Yanomami.

Foi também no estado de Roraima que ocorreu a primeira tentativa de alteração da legislação para exploração mineral em Terra Indígena. Essa brecha na legislação surgiu a partir de um projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa do estado no ano de 2021. O PL (projeto de Lei) foi uma proposição do Governador Estadual (Antônio Denarium). Dos vinte deputados estaduais de Roraima que votaram o PL, 18 foram favoráveis a criação da Lei nº 1.453, de 8 de fevereiro de 2021, que dispõe sobre o Licenciamento para a Atividade de Lavra Garimpeira no Estado de Roraima, além de permitir o uso de mercúrio nesse serviço. Felizmente, em setembro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6672) ajuizada pelo Partido Rede Sustentabilidade e determinou a inconstitucionalidade da mesma, suspendendo assim a Lei Estadual.

No ano de 2019, a operação Hespérides da Polícia Federal (PF) e técnicos da Agência Nacional de Mineração (ANM) investigaram como era possível o estado ter exportado cerca de 194 kg de Ouro para Índia, sem que houvesse sequer uma mina registrada na agência reguladora. A operação também descobriu que garimpeiros que atuam no estado exportou 771 quilos de ouro no período de três anos. A base dos dados levantados foi da Comex Stat, portal do Ministério da Economia, que disponibiliza as atividades comerciais de importação e exportação.

Além do alto índice de violência contra povos indígenas e o comércio “fantasma” de ouro, o estado também possui um histórico de protagonismo de seus representantes em proposições de legislação para permitir o garimpo e a mineração em terra indígena no Congresso Nacional.

Política do governo e aliados coloca em risco a sobrevivência dos povos indígenas

Por hora, está em suspenso a tentativa de tramitação o Projeto de Lei (191/2020), que dispõe sobre a regulamentação do § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição Federal para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos. O projeto de lei também prevê o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. É tão intensa a urgência na aprovação desse projeto, que o líder do Governo (Ricardo Barros (PP-PR) recolheu assinaturas em pleno carnaval do ano de 2022 para que a tramitação ocorresse em regime de urgência até chegar à votação no Plenário da Câmara dos Deputados, ou seja, sem o devido rito legal de uma Comissão Especial ou tramitação nas comissões permanentes com participação da sociedade.

Anterior a proposta do Presidente da República, estava em tramitação o Projeto de Lei 1610/96 que dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas de que tratam os artigos 176, parágrafo 19, e parágrafo 39, da Constituição Federal, de autoria do então Senador Romero Jucá, a época do PFL pelo estado de Roraima. Ambos projetos propõem a regulamentação do parágrafo primeiro do art. 176 da Constituição Federal, onde diz que “na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas”. O que diferencia os dois projetos em relação à mineração, é que o primeiro está voltado para a atividade “garimpeira”, enquanto o segundo para mineração industrial.

É importante destacar que o ex-senador Romero Jucá, é denominado pelos povos indígenas, como “o maior inimigo dos povos indígenas do Brasil”. Ele foi presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Governador de Roraima. Segundo informações do Repórter Brasil (organização não governamental fundada em 2001 por um grupo de jornalistas, cientistas sociais e educadores), Romero Jucá é responsável por um projeto de redução em 75% da terra yanomami; permissão e omissão em relação à entrada de 40 mil garimpeiros em terras yanomami, que ocasionou um conflito que resultou na morte de 8 mil indígenas; além da expulsão de organizações da sociedade civil organizada da região de conflito; e a criação de reservas garimpeiras dentro dos territórios indígenas, entre tantas outras perversidades.

Em pleno ano eleitoral, diversas medidas têm sido realizadas pelo Governo Federal, bem como seus aliados, para sinalizar e demarcar sua presença eleitoral aos trabalhadores garimpeiros e os donos dos garimpos. No dia 24 de maio de 2022, o Senador Mecias de Jesus (Republicanos) também do estado de Roraima, propôs o Projeto de Lei 131/2022, que dispõe sobre a pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas homologadas ou em processo de demarcação. A novidade dentro desta proposta é a nitidez em vetar a mineração industrial dentro dos territórios indígenas, a criação das “zonas de garimpagem previamente estabelecidas pela ANM”, e a suposta harmonia entre garimpo e manutenção e reprodução dos modos de vida das populações originárias.

Por outro lado, enquanto propõe projetos que visam à entrada do garimpo e exploração das terras indígenas de Roraima e dos discursos a favor do garimpo no estado, sem quaisquer estudos de viabilidade da terra e das comunidades que ali vivem, o senador Mecias de Jesus tenta se proteger e angariar o apoio também das comunidades indígenas, integrando outros projetos de políticas sociais aos povos indígenas roraimenses. Dessa forma, se utilizando de um viés supostamente de apoio aos indígenas, como a Comissão de Direitos Humanos do Senado que está em Boa Vista apurando violências contra indígenas praticadas por garimpeiros na Terra Yanomami, e que ele integra, na prática, sua postura é outra.

De acordo com matéria publicada no G1 no dia 13 de maio deste ano, há alguns meses, no quadro “Prestando Contas”, da Rede Amazônica, Mecias e os senadores Chico Rodrigues (União), e Telmário Mota (PROS) – os três integram a referida comissão – fizeram declarações favoráveis às explorações em reservas indígenas, porém, cobram que seja regulamentado pelo governo federal.

Atualmente, a Terra Indígena Yanomami é uma das mais afetadas no estado pela atividade ilegal de garimpeiros, o que causa degradação ambiental e, principalmente, conflitos com violência – motivo pelo qual a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal faz diligências em Roraima. Nessa perspectiva, observa-se que estão em curso diversas ações políticas cujo objetivo é dar uma resposta aos interesses dessa base garimpeira, que aguarda desde o pleito de 2018 a resolução do conflito entre título minerário (grandes) e permissão de lavra garimpeira PLG (“garimpeiros”). Esses projetos abrirão caminho para o surgimento de outras iniciativas de exploração das terras indígenas, e como consequência dessa política nefasta do Governo Federal e seus aliados, ocorrerão novos conflitos dentro dos territórios indígenas do estado de Roraima, e os povos indígenas do estado e de todo país estão em risco de sobrevivência.

 

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