Há poucas semanas, nos deparamos com a notícia de mais um crime ambiental envolvendo a Braskem, que se trata da retirada de um montante gigantesco de areia para preenchimento das minas de sal-gema, sendo essa areia extraída de uma Área de Preservação Permanente (APP), que compreende as Dunas do Cavalo Russo, ecossistema de grande relevância ecológica e de interesse turístico em Alagoas.

Ao contrário do que afirmou o representante do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) em matéria a Tribuna (31/01/23) que a área utilizada na extração de areia consiste em “regiões de cordões arenosos” e não de dunas, a literatura, resultante de pesquisas por especialistas comprovam que na realidade, trata-se de uma área contínua de Restinga, com vegetação fixadora de dunas, que inclusive serve de refúgio de aves migratórias e animais em extinção, além de ponto de desova de espécies de tartaruga marinha, representando um dos últimos remanescentes de ecossistema de vegetação de restinga mais importantes do Estado de Alagoas.

A Geologia denomina de Dunas o que já se encontra consolidado, o que na Biologia denominamos de Paleo dunas. Ivan Fernandes Lima em sua obra de referência “Maceió a cidade restinga” lançada em 1961, já caracterizava esta área como uma perfeita restinga. O que ocorreu nesta área ao longo de décadas foram sucessivos crimes ambientais responsáveis por sua degradação, com a remoção da vegetação originária de restinga, ficando os amontoados de areia. Daí o IMA utiliza essa situação pra justificar a retirada do que resta. Estamos diante sim de um crime ambiental dos muitos sofridos por esta área desde a década de 1980. Há ONGs inclusive que já vem lutando pela preservação dessa área há anos recorrendo aos órgãos competentes.

Em relação a legislação ambiental brasileira, a restinga passou a receber destaque desde a Constituição Federal de 1988, nos termos do parágrafo 4º do art. 225, onde é reconhecida como patrimônio nacional. Já no novo Código Florestal Lei nº 12.651/2012 a restinga é reconhecida como Área de Preservação Permanente (APP), dentro da seguinte compreensão contida no artigo 3º. “Para os efeitos desta Lei, entende-se por: (…) XVI – restinga: depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, com cobertura vegetal em mosaico, encontrada em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado.”

A Lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), considera como área de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: “nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues”. Esta Lei trata as áreas de restinga como faixas de proteção integral ou de uso sustentável (art. , incisos I e II da Lei nº 9.985/2000).  E como Área de Preservação Permanente, o seu manejo obedece a uma série de restrições. Ainda segundo o novo Código Florestal, “a supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública” (art.  ). O que não é o caso dessa extração predatória de areia que ocorre nesse ecossistema.  Mesmo a referida área pertencendo a particulares deve ser tratada como uma APP e seus proprietários têm a obrigação de garantir a sua conservação, seguindo as determinações da legislação ambiental vigente.

A Braskem, mais uma vez não assume a responsabilidade por mais um crime ambiental, transferindo a culpa para os órgãos ambientais que realizam o licenciamento de tal atividade. O IMA, por sua vez se defende alegando que a licença foi concedida pela Secretaria de Meio Ambiente de Marechal Deodoro e não por ele. Sobre esses dois órgãos é importante fazer as seguintes considerações:

O IMA consta como réu em duas ações civis publicas na Justiça Federal: ACP nº 3884-68.2010.4.05.8000 e ACP nº 1301-42.2012.4.05.8000, que tramitam na Justiça Federal de Alagoas e um deles está no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, onde tanto o IMA como o CEPRAM são acusados pelo MPF de fraudar licenças ambientais para viabilizar um empreendimento imobiliário de alto luxo na região que compreende a área de restinga envolvida na extração de areia para a Braskem, pois engloba a restinga, a berma litorânea e as dunas de toda a região, inclusive as Dunas do Cavalo Russo. Esta região deveria destinar-se à implantação, pelo Estado de Alagoas, de Unidades de Conservação de Proteção Integral, situado entre trechos da Praia do Francês e da Barra de São Miguel, tais unidades teriam sido exigidas como medidas compensatórias aos prejuízos ambientais causados pela duplicação da Rodovia AL 101 Sul.

Em 2014, a Justiça Federal em Alagoas (JFAL), por meio do juiz federal da 13ª Vara, Raimundo Alves de Campos Jr., ao apreciar duas ações civis públicas (ACP nº 3884-68.2010.4.05.8000 e ACP nº 1301-42.2012.4.05.8000), determinou o cumprimento de várias medidas protetivas ambientais para evitar a degradação da maior área costeira natural na região central do Estado de Alagoas.

Já em relação a Secretaria de Meio Ambiente de Marechal Deodoro, esta não deveria autorizar tal atividade de extração de areia porque simplesmente vai contra ao que foi estabelecido no Plano Diretor de Marechal Deodoro que no seu Art. 22º propõe a obrigatoriedade da preservação em pontos de maior fragilidade ambiental, onde muitas dessas regiões demonstram um aspecto em comum, o de desenvolver a economia do Estado, seja ela no Rio Catita, que traz um domínio da cana de açúcar; ou nas Dunas do Cavalo Russo, que oferece a matéria prima para a construção civil e por ser um local de pouco acesso acaba servindo como local de despejo dos resíduos provenientes dessa atividade.

Tanto o IMA, como a Secretaria de Meio Ambiente de Marechal Deodoro devem obrigatoriamente fazer valer as determinações da legislação ambiental que asseguram a proteção de áreas de restinga como APP, como também devem cumprir com as determinações judiciais que foram direcionadas para essa área anteriormente.

Consta que o processo que se arrasta desde 2010 envolvendo as referidas ações civis públicas está parado desde 2019. Cabe ao MPF e Justiça Federal dar continuidade as tratativas exigindo que haja o cumprimento das determinações judiciais por parte dos envolvidos. Se tais determinações tivessem sido cumpridas integralmente, crimes ambientais como este em questão poderiam ter sido evitados.

Por fim, a Braskem como se declara publicamente como empresa que supostamente se preocupa com a sustentabilidade ambiental, não deveria aceitar como fornecedor de areia uma empresa que estivesse causando um impacto negativo dessa magnitude em uma área que deveria ser preservada.

Profa Ma. Neirevane Nunes F. de Souza

Bióloga e especialista em Biodiversidade e Manejo de Unidades de Conservação pela Universidade Federal de Alagoas

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