Mais de 200 mil pessoas diretamente afetadas, sem direito a indenização justa, sem participação nos termos de acordo de compensação financeira

Braskem passou por aqui. Foto: Wanessa Oliveira

Cinco anos após a concretização do crime da Braskem, a mineradora se recusa a admitir sua responsabilidade. O caso Pinheiro/Braskem, que ficou conhecido após um devastador tremor de terra em março de 2018, continua a assombrar os moradores de Maceió (AL). O tradicional bairro do Pinheiro e suas redondezas foram abalados por rachaduras nos imóveis, fendas nas ruas, afundamentos de solo e crateras que surgiram.

Mais de 200 mil pessoas diretamente afetadas, além dos milhares afetados indiretamente, todas obrigadas a abandonar suas casas e comunidades. O trauma emocional, os prejuízos materiais e a incerteza sobre o futuro são constantes na vida desses moradores, que tiveram seu cotidiano transformado pela negligência de uma empresa poderosa.

Para Nerivane Nunes, do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem, a luta constante no momento é pela reparação integral, que vai muito além da indenização do imóvel.

Nerivane Nunes, do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem. Foto: Mauricio Carlos N.

“A compensação financeira que a mineradora busca fazer não atende às necessidades da população, não correspondem a reparação integral, porque dentro do Conselho de reparação integral, nós sabemos que o afetado precisa voltar a ter o mesmo padrão de vida que tinha antes ou melhor” explica Nerivane.

Para a alagoana, famílias tiveram que deixar seus lares de maneira forçada deixando tudo para trás, quebrando vínculos com a vida social, indo para locais distantes onde o custo de vida é outro e para essas perdas não há nenhum ressarcimento pela mineradora, nem em relação ao dano à saúde mental, já que muitas vítimas desse crime sofrem de síndrome do pânico, depressão e ansiedade.

Rikartiany Cardoso, mestranda em direito, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração e moradora de Maceió, esclarece que os afetados indiretamente não entram no mapa de riscos, não têm direito a indenização justa, nem a discutir os termos de acordo de compensação financeira.

Rikartiany Cardoso, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM. Foto: Mauricio Carlos N.

“Não houve participação popular nas audiências públicas, há um apagamento da memória da luta das pessoas e uma exclusão das necessidades do espaço. Os órgãos do Estado agem com conivência e omissão, protegendo as empresas. Precisamos de uma denúncia pública nacional e internacional para pressionar a mineradora e evitar que casos como esse se repitam “, alega a alagoana.

Para a mestranda, Brumadinho e Maceió são exemplos de mineradoras que colocam lucro acima da vida e isso não é exclusivo do Brasil.

Cidade desmoronada

O caso começou quando os moradores do bairro Pinheiro relataram um aumento nos danos estruturais da região após um forte temporal em fevereiro de 2018. Esses danos se intensificaram ao longo das semanas, culminando no trágico tremor de terra que abalou todo o bairro. Danos semelhantes foram identificados nos bairros vizinhos do Mutange e Bebedouro, em imóveis e ruas, e posteriormente no bairro do Bom Parto.

O Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM) identificou que a extração mineral de sal-gema pela Braskem como a principal responsável pelos danos. O fenômeno foi classificado como “subsistência”, um afundamento da superfície do terreno devido às alterações no suporte subterrâneo.

A mineração de sal-gema na região da Lagoa Mundaú, em Maceió, é uma atividade que ocorre desde a década de 1970. Antes da divulgação do laudo pelo SGB/CPRM, havia 35 poços de extração localizados em áreas urbanas. Embora os poços estivessem pressurizados e vedados, a instabilidade das crateras causou danos visíveis na superfície do solo.

Enquanto se aguarda por uma solução definitiva para o caso, os moradores continuam sua batalha diária por reparação e por um futuro seguro, na esperança de que a justiça seja feita e medidas efetivas sejam tomadas para evitar que crimes como esse continuem acontecendo.


Seminário: Desafios dos Impactos da Mineração – Territórios Indígenas, reparação e fiscalização – Caso Braskem. Foto: Mauricio Carlos N.

No dia 31 de maio, na mesa Caso Braskem, do Seminário: Desafios dos Impactos da Mineração – Territórios Indígenas, reparação e fiscalização, realizado durante a IX Plenária do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração,  representantes do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem apresentaram a Carta Aberta do movimento.

O documento denuncia o maior crime socioambiental em área urbana em andamento relacionado à mineração, às perdas emocionais e desestruturação comunitária, indenizações inadequadas, impactos negativos na fauna urbana, negligência com o patrimônio histórico e cultural dos bairros, afundamento de jazigos e aponta as comunidades remanescentes que continuam expostas aos riscos sem reconhecimento oficial.  

Leia a carta na íntegra:

CARTA ABERTA DO MOVIMENTO UNIFICADO DAS VÍTIMAS DA BRASKEM (MUVB) –

O Movimento Unificado das Vítimas da Braskem vem através desta carta tornar público o maior crime socioambiental em área urbana no mundo promovido pela Braskem em Maceió – AL, que através da mineração de sal-gema, de forma irresponsável, levou ao afundamento e destruição de 5 bairros da capital alagoana.

A sal-gema é um mineral utilizado como matéria-prima para produção de plástico, cloro e soda cáustica A mineração de sal-gema teve início entre os anos de 1975/1976, durante o regime militar. A Salgema Indústrias Químicas se instalou numa área ambientalmente imprópria para esse tipo de empreendimento, no litoral, numa área de restinga e de um importante estuário. Infelizmente com a conivência do poder público, durante mais de 40 anos a Braskem vem explorando o nosso solo de forma irresponsável e criminosa através de 35 minas e 90% dessas minas possuem de 70m a 150m de diâmetro e de 70m a 90m de altura. Foram 5 bairros afetados: Bebedouro, Pinheiro, Mutange, Bom Parto e parte do Farol, com cerca de mais de 200 mil vítimas diretas. A área diretamente atingida é de aproximadamente 5,8km2. As áreas fora do mapa oficial de criticidade da Defesa Civil também estão afundando, mas os danos causados pela Braskem a estas pessoas, que estão na borda do mapa ainda não foram reconhecidos. Esse subdimensionamento do número de vítimas e da área afetada é algo criminoso que só tem beneficiado a Braskem.

As famílias que foram obrigadas a deixar tudo para trás e saírem de suas casas, um desmonte completo na vida dessas pessoas, sonhos destruídos, perda do convívio comunitário, quebra de vínculos e o afastamento das famílias que antes viviam próximas. Grande parte dessas vítimas está adoecida com depressão, síndrome do pânico e 12 pessoas tiraram a própria vida por não suportarem essa situação.

No dia 03 de março de 2023 completou 5 anos da ocorrência do primeiro tremor que fez com que esse crime viesse à tona, há famílias que há mais de 3 anos ainda não foram indenizadas. E os valores oferecidos como indenização é vergonhoso e irrisório que não chega nem a metade do valor real do imóvel.  A Braskem tem um lucro anual exorbitante e tem direcionado patrocínios milionários a programas de TV como BBB23 e a outros grandes eventos, mas tem tripudiado sobre as suas vítimas em Maceió. A publicidade que faz sobre preocupação com a sustentabilidade e responsabilidade social é uma farsa.

Além de tudo isso, há uma situação muito grave que são as comunidades remanescentes que ainda se encontram na área afetada pela mineração da Braskem e que ainda não foram reconhecidas pelo poder público como área de risco. E essas populações dos Flexais, Quebradas, Marquês de Abrantes e Vila Saem, além do risco geológico já comprovado por estudos de engenharia, estão ilhados e convivem com o isolamento socioeconômico e com a insegurança em situação de total vulnerabilidade. Vale ressaltar que essas comunidades estão inseridas na área de influência de impacto ambiental da Braskem e sendo assim fazem parte do passivo ambiental da mineradora. Mesmo assim, a Braskem viola os direitos individuais e coletivos negando a estas famílias a reparação integral dos danos causados pela sua mineração criminosa.

Além da área habitada nestes bairros, a área de estuário também está sendo seriamente afetada. Há um complexo lagunar que margeia os bairros do Bom Parto, Mutange e Bebedouro que devido ao afundamento do solo já perdeu 17 hectares de Manguezal que hoje se encontram 100% submersos, comprometendo toda a cadeia produtiva do Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba que é um dos mais importantes estuários do Brasil.

Há outro problema que é o impacto sobre a fauna urbana, vários animais estão em situação de abandono e quase todos os dias são encontrados animais mortos na área, principalmente gatos. E a Braskem se limita a castrar os animais e a devolver aos mesmos locais, entregues à própria sorte, sem nenhuma garantia de bem-estar animal aos que permanecem nestes bairros destruídos.

A Braskem também deixou várias famílias sem jazigo. Devido ao afundamento do solo o Cemitério Santo Antônio no bairro de Bebedouro foi interditado há mais de 2 anos para sepultamentos.  As famílias que possuem jazigo neste cemitério ainda não foram ressarcidas por este dano e além da dor da perda do ente querido são submetidas ao constrangimento de não ter onde sepultar seu familiar, pois esbarram na situação do atual colapso dos serviços funerários de Maceió. Com os demais cemitérios públicos superlotados, os sepultamentos estão demorando até 3 dias pra serem realizados e em covas rasas.

A Braskem também tem sido responsável pela violação do patrimônio público, pois afetou o patrimônio histórico e cultural tanto material como também imaterial desses bairros. O que representa um dano irreparável para a história desses bairros e para o Estado de Alagoas.

O Movimento Unificados das Vítimas da Braskem há 3 anos vem lutando pela reparação integral de todas as vítimas da Braskem e defendemos o direito à realocação e indenização das comunidades remanescentes das áreas afetadas.

 A Braskem lá fora ostenta seus selos de suposta sustentabilidade ambiental e social, mas em Alagoas é responsável pelo maior crime socioambiental já visto no mundo em área urbana. Maceió afunda sem parar enquanto a Braskem mente, o povo clama por justiça e o poder público se cala.

Para entender melhor o que envolve o crime da Braskem em Maceió assista e divulgue o Documentário ‘A Braskem passou por aqui’ de Carlos Pronzato que está disponível no youtube.

Não podemos permitir que esse crime seja esquecido e a Braskem permaneça impune. Devemos lutar para que outros crimes ambientais como este jamais se repitam.

 Cássio de Araújo Silva
Neirevane Nunes F. de Souza
Maurício Sarmento da Silva
Mailda Farias Santos

 

0 Comentários

Deixe o seu comentário!