Escola pública municipal Leonília Gomes Parente, localizada no Distrito de Jaibaras, município de Sobral, no estado do Ceará. Crédito: Divulgação/Prefeitura de Sobral

Dados do Ideb/2021 apontam que entre as 100 melhores escolas públicas do Brasil do 1º ao 5º ano, 87 são cearenses, e entre os dez estados brasileiros que mais avançaram no ensino médio na última década, quatro são do Nordeste: Ceará, Pernambuco, Piauí, e Maranhão

Após o resultado do primeiro turno das eleições no domingo, 02 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) associou a vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Nordeste ao “analfabetismo na região”. Na mesma linha das falas do presidente, uma enxurrada de vídeos e memes de conteúdo xenofóbico e preconceituoso atacando os nordestinos, tomou conta das redes sociais. Entretanto, é do Nordeste que vem os maiores índices de aprovação e avanço no ensino das séries iniciais, ensino fundamental, e ensino médio nos últimos anos. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), entre os dez estados brasileiros que mais avançaram no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do ensino médio na última década, quatro são do Nordeste: Ceará, Pernambuco, Piauí, e Maranhão. Entre as 100 melhores escolas públicas do Brasil do 1º ao 5º ano, 87 são cearenses.

O Ideb é um indicador que cruza as taxas de aprovação escolar obtidas no Censo Escolar, com as médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em língua portuguesa e matemática.

O município cearense de Sobral vem se destacando há alguns anos na educação das séries iniciais e ensino fundamental. Dez escolas de Sobral estão entre as 100 que apresentam as maiores notas do Ideb no país. Pernambuco tem excelentes notas no Ensino Médio integral – três escolas públicas do estado estão entre as dez melhores escolas de ensino médio do país.

Coruripe, no litoral de Alagoas, abriga uma escola rural de educação básica que recebeu a melhor nota do Ideb nas séries iniciais em 2019 (8,9), a média do Brasil é 5,8. Mais da metade dos alunos de Coruripe são de famílias que vivem com renda de até meio salário mínimo. Essas escolas, entre tantas outras do Nordeste, servem de exemplo para o resto do Brasil e demonstram que hoje, a grande referência educacional do país é o Nordeste.

O que explica o avanço constante na qualidade da educação em locais cuja renda per capita é baixa, comparada com estados do Sul e Sudeste, que apresentam Ideb menor?

Cristiane Ribeiro Menezes, diretora da escola pública municipal Leonília Gomes Parente, localizada no Distrito de Jaibaras, município de Sobral, no estado do Ceará, que recebeu nota 9,7 no Ideb 2021 (média do Brasil é 5,0) nas séries iniciais e ensino fundamental I, aponta o apoio pedagógico, o atendimento individualizado para alunos, o acompanhamento de psicólogos, as reuniões continuadas com os pais dos estudantes, e até mesmo visitas aos familiares dos alunos que apresentam dificuldade de aprendizagem durante a pandemia, como algumas das estratégias adotadas pela escola. Cristiane Ribeiro Menezes relata que a escola atende 744 crianças – a maioria de comunidades extremamente carentes. “São famílias com situação financeira precária, e muitas vivem com auxílios governamentais. Mas o apoio psicoemocional aos alunos; a formação continuada dos professores, que é mensal; as avaliações constantes; o acompanhamento pedagógico de psicólogos em conjunto com o trabalho dos professores em sala de aula; o cuidado com a frequência escolar; e o contraturno para os alunos que precisam de apoio escolar,”  destacou Cristiane, são ações que a rede do município cearense de Sobral tem adotado. Essas políticas públicas levaram Sobral e a escola Leonília Gomes Parente a alcançar excelentes notas no Ideb em relação ao resto do país e tornar-se modelo de educação para o Brasil e o mundo.

Ela citou os exemplos de Goiás e Paraná, mas a referência de políticas educacionais consolidas, vem do Nordeste. “Existe infelizmente um preconceito em relação ao Nordeste, como se tudo que vem de lá fosse de menor qualidade. E a fala do presidente da República, infelizmente, só reforça esses estereótipos. Mas o Nordeste tem diversas experiências que estão melhorando anos após anos. O Ceará é inclusive referência internacional na educação, tem publicações e organizações que o estudam. O Nordeste tem muito mais a ensinar para o Brasil,” afirmou Priscila Cruz.

Para Priscila Cruz, a continuidade das políticas públicas voltadas para a educação, que ultrapassaram os governos, e uma política de Estado com projeções pragmáticas, que olhou para as evidências, considerando a questão socioeconômica, como o Nordeste tem menos recursos, foi preciso saber gerir esses valores, além de quadros técnicos das secretarias de educação muito qualificados, aliados a uma gestão bem feita nas escolas e que foi mantida ao longo do tempo, contribuíram para o Nordeste avançar na educação.

Ela afirma ainda que esse movimento começou no Ceará, que já tinha fazendo uma gestão educacional há algumas décadas, depois Pernambuco também passou a adotar novas ideias para a educação. E os exemplos começaram a surgir.

Ainda segundo Priscila Cruz, a educação não está mais avançada no Nordeste porque falta uma integração do Ministério da Educação (MEC) com estados e prefeituras.

A presidente-executiva do Todos Pela Educação reforçou a importância de olhar para as experiências de sucesso do Nordeste, pois, segundo ela, “educadores e gestores são duplamente eficientes, porque eles têm conseguido um bom resultado mesmo com condições adversas. O problema são os estados com rendas per capita altas, e que não conseguem avançar na qualidade da educação, como a capital gaúcha, Porto Alegre, que apresenta uma renda per capita bem acima do Nordeste e até da média nacional, mas as notas Ideb tem sido muito ruins. Por isso, o Nordeste é duplamente eficiente em suas políticas educacionais,” comemorou Priscila Cruz.

O exemplo do Ceará na educação fundamental

De acordo com dados do IDEB 2021, o maior rendimento no ensino fundamental – anos iniciais em escolas públicas do país, são do Ceará. A instituição com maior nota do País (9,9) no índice foi a Escola de Ensino Fundamental Francisca Diogo Gomes, localizada no município de Massapê, a cerca de 240 km de Fortaleza. O segundo melhor resultado no nível, que engloba do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, foi da Escola Municipal Antônio Silvano Balacó, em Pires Ferreira, na microrregião de Ipu.

 

Sobral é exemplo para o Brasil e o mundo

O município de Sobral, no interior do Ceará, possui dez escolas entre as 100 melhores do Brasil, sendo 4 nos anos iniciais do Ensino Fundamental e 5 nos anos finais. Há alguns anos o município supera as médias nacional e estadual do Ideb. A média da rede pública municipal de ensino de Sobral nos anos iniciais do Ensino Fundamental foi 8,0, superior as médias do Ceará (6,3) e do Brasil (5,8), e nos anos finais do Ensino Fundamental foi de 6,6, que supera também a média estadual (5,5) e nacional (5,1).

Desde 2009, a rede pública municipal superou a meta dos anos iniciais do ensino fundamental e, em 2017, ultrapassou a nota estabelecida para os anos finais, que deveriam ser alcançadas em 2021.

 

Piauí é destaque no ensino profissional

O Piauí é o único estado no Brasil que universalizou o ensino profissional. No começo dos anos 2000, o Piauí proporcionava Educação Profissional e Técnica (EPT) em apenas três municípios, hoje são 224 municípios que tem ensino profissional de acordo com dados da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC). Em 2022, por meio de uma intensa política pública, e Estado passou a ofertar ensino técnico profissionalizante em todo o interior e na capital, Teresina, com mais de 30 mil matrículas.

Pernambuco é destaque no Ensino Médio

Pernambuco apresenta um dos maiores índices de crescimento na educação e, em 2021, conquistou o terceiro maior Ideb para o ensino médio público do país, atrás apenas de Paraná e Goiás. Os dados por instituição de ensino no Ideb 2021 apontam três escolas públicas de Pernambuco entre as dez melhores no ensino médio do País. Em primeiro lugar no ranking ficou a Escola de Aplicação do Recife, uma instituição estadual de Pernambuco, localizada em Recife, com média 7,6. A posição do sexto lugar é da Escola de Aplicação Professora Ivonita Alves Guerra, em Garanhuns (6,9), com uma população de 140 mil habitantes, localizada no agreste de Pernambuco. A Escola Técnica Estadual Cícero Dias, também na capital do estado, conquistou o nono lugar (6,8).

Na classificação do Ensino Fundamental Anos Finais, o estado também foi destaque. Os quatro melhores resultados entre as escolas estaduais de todo o Brasil são de Pernambuco. O primeiro lugar também ficou com a Escola de Aplicação do Recife com média 7,9; seguida pela Escola de Aplicação Professora Ivonita Alves Guerra, em Garanhuns, com nota 7,8. A terceira posição é da Escola de Aplicação Professor Chaves de Nazaré da Mata, na zona da mata, com nota 7,5. A quarta posição é da Escola Tomé Francisco da Silva, em Quixaba (7,5), município com cerca de 6 mil habitantes no Sertão do Pajeú, no semiárido pernambucano.

Em 2004, Pernambuco criou um projeto que visava melhorar a qualidade da formação profissional, do aprendizado e diminuir a evasão no ensino médio. Em 2009, o projeto foi transformado em política pública com a implantação do Programa de Educação Integral.

Hoje, quase 15 anos após a criação da lei, 75% dos alunos pernambucanos que cursam o 1º ano do ensino médio estão em escolas de tempo integral, maior percentual de matrículas nessa modalidade no país.

A diretora da Escola de Aplicação do Recife, Iane Bezerra Vasconcelos, atribuí a 1ª posição no ranking entre as escolas de ensino médio do país, à competência e dedicação de alunos e professores. “São estudantes que já chegam na escola muito focados e querem manter o engajamento. O corpo docente também é muito comprometido, quase todos os professores tem pós- graduação, muitos com mestrado e doutorado,” afirmou Iane Bezerra Vasconcelos. Ela citou ainda as atividades de contraturno com atividades que complementam as aulas, como preparação para as olimpíadas, oficina de literatura, aulas de música, teatro, entre outras ações para desenvolver as habilidades e formação dos estudantes. A escola atende 255 alunos.

Teresina é a capital com o melhor Ideb do Brasil

A rede municipal de Teresina está localizada em uma das regiões de menor nível socioeconômico do país. Em comparação com outras capitais do Brasil, inclusive da região Nordeste, Teresina é uma das capitais com menor PIB per capita (R$24.333), ocupando a 23ª posição entre as capitais brasileiras e a 7ª entre as nordestinas. Apesar do alto grau de vulnerabilidade socioeconômica da população, Teresina é a capital com os melhores resultados educacionais do Brasil.

Escola rural de Coruripe, no Alagoas tem o maior Ideb dos Anos Iniciais

Em 2010, a escola rural de educação básica Vereador José Wilson, em Coruripe, Alagoas recebeu o melhor Ideb dos anos iniciais do país. Nesse pequeno município litorâneo, os estudantes da zona urbana e rural tem acesso à educação de qualidade. O compromisso com a aprendizagem e foco em garantir apoio da rede municipal às escolas são fatores responsáveis pela conquista. 

Alunos com maior número de medalhas

Os alunos do Nordeste também têm se destacado em diversas áreas nas Olimpíadas de conhecimento. Na 14ª Olimpíada Nacional de História do Brasil (ONHB), realizada em agosto de 2022 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), contou com 5.449 grupos de participantes de São Paulo, em seguida, o Ceará (2.423 equipes), Pernambuco (1.306 equipes) e Minas Gerais (1.082 equipes), entre outros estados. No entanto, foram os nordestinos que mais conquistaram medalhas, eles levaram para casa 56 de 75 medalhas.

Maiores notas na redação do ENEM

Conforme dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre os 22 estudantes que tiraram 1.000, a nota máxima na redação Enem em 2021, 10 são alunos do Nordeste.

Em 2020, o Nordeste também ficou na frente. Entre os 28 candidatos que atingiram nota máxima na prova de redação do Enem, 12 eram do Nordeste, 11 do Sudeste, 3 do Norte, 2 do Centro-Oeste, e o Sul não registrou nenhuma nota máxima.      

O compromisso, e responsabilidade dos professores, o esforço dos estudantes e a parceria entre as famílias e as escolas tem viabilizado esses bons resultados na educação no Nordeste. O aumento da qualidade do ensino fundamental, médio e superior no Nordeste comprovam que investimentos e políticas públicas aliadas a uma boa gestão educacional tem transformado a educação dos nordestinos. Esses resultados se refletem no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em Olímpiadas cujos alunos do Nordeste se destacam, aprovação em superiores em universidades federais, e tudo isso, por fim, reflete em melhores condições de vida aos estudantes e suas famílias.

Marci Hences é jornalista no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.

 

 

 

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