Durante o Seminário: Regulação e Transparência dos Royalties Hídricos e da Mineração, realizado em 8 de abril, recebemos dezenas de perguntas do público que acompanhava a transmissão. Preparamos as respostas, que seguem abaixo:  respondemos Perguntas e respostas

  1. Aspectos institucionais

Qual seria o papel da câmara municipal tanto para normatizar o uso como o controle dos royalties recebidos em função da mineração e geração energética?

As Câmaras Municipais têm um papel fundamental nessa regulamentação. As normas federais são bastante vagas em determinar os usos dos recursos da CFEM. A Lei 13540/2017, define que pelo menos 20% da receita da CFEM deve ser destinada preferencialmente à diversificação econômica, ao desenvolvimento mineral

sustentável e ao desenvolvimento científico e tecnológico. Mesmo que haja alterações, a legislação federal dificilmente definirá distribuições muito rígidas para o uso da CFEM. Nesse sentido, caberá ao legislativo local estabelecer as prioridades do município para o uso desses recursos, como visto nos casos apresentados em anexo, onde leis municipais definiram como os royalties poderiam ser distribuídos. 

Vocês conseguem explicar por que, no caso da mineração, muitos dos valores previstos pela Agência Nacional de Mineração (ANM) de serem repassados aos municípios são divergentes dos valores previstos nas receitas das Leis Orçamentárias Anuais (LOAs)? ​Há uma justificativa tributária para isso ou é são casos de falta de transparência mesmo?

Não temos muita informação sobre esse problema e essa questão talvez precisasse ser direcionada à ANM. As LOAs apresentam uma previsão das receitas, normalmente se baseando na receita de exercícios passados. Não é de nosso conhecimento que haja alguma troca de informação entre municípios e ANM no momento da estimativa das receitas. Considerando que os preços dos minérios possuem grande volatilidade, não necessariamente as previsões das prefeituras ou da ANM irão se confirmar ao longo do ano, ou mesmo convergir para o mesmo valor.

Ao longo do seminário, foi mencionado que alguns gestores colocam rubricas menores na previsão de orçamento para depois justificarem remanejos e pedirem verbas complementares. Gostaria de saber se essas verbas para complementar o orçamento viriam dos royalties ou outra fonte de compensação das atividades ligadas à atividade extrativista.

Especial atenção deve ser dada à possibilidade de municípios subestimarem sistematicamente e intencionalmente o valor da receita da CFEM em suas LOAs. Quando isso ocorre, a diferença entre o valor estimado na LOA e a receita real da CFEM acaba não sendo “carimbada”, dando ao executivo municipal maior liberdade para o uso desse recurso. Usualmente o “recurso extra” tem origem na própria CFEM, uma vez que o valor arrecadado acaba sendo superior ao estimado.

Como o debate sobre a estatização (re-estatização, no caso da Vale) de empresas estratégicas para a soberania nacional se insere no tema do baixo controle social sobre a CFEM?

O foco de nossa pesquisa até o momento diz respeito ao uso da CFEM pelos governos municipais. Portanto, não nos aprofundamos na questão relacionada aos royalties pagos pelas empresas. Entretanto, a transparência no uso dos royalties de recursos naturais parece ir além do debate sobre empresas privadas e públicas, como sugere a discussão em torno dos royalties do petróleo e da energia elétrica.

  1. Controle social

O Conselho Municipal de Meio Ambiente (CODEMA ) delibera sobre esses recursos?

A princípio não. Como a CFEM é uma compensação de ordem patrimonial, seu uso, por definição, não depende de autorização de conselhos participativos. Todavia, nada impede que na regulação local sejam criados esquemas de controle social por meio do Conselho Municipal de Meio Ambiente, do Conselho Municipal de Saúde ou outro conselho existente. Todavia o mais comum tem sido a criação de um Conselho específico para lidar com essa questão como apresentado nos casos em anexo.

Há alguma experiência de audiência pública para discutir o destino dos Royalties? Se sim, as deliberações foram respeitadas?

Não é de nosso conhecimento que alguma audiência pública tenha sido feita com foco específico nos royalties. Em Altamira, está em discussão a realização de algumas audiências públicas por conta da proposta de regulamentação dos royalties de Belo Monte apresentada pela prefeitura.

​Há a possibilidade das comunidades impactadas pela mineração poderem monitorar e obter as informações de valores recebidos pelo município ​no caso da CFEM?

 Infelizmente isso varia de município para município. De acordo com a legislação federal, os municípios são obrigados a divulgar as despesas relacionadas aos recursos da CFEM. Essas despesas deveriam estar acessíveis nos portais de transparência de cada prefeitura, mas nem sempre isso ocorre.

Nossa pesquisa mostrou que nem todos os municípios apresentam de forma explícita as despesas vinculadas aos recursos da CFEM, como Marabá (PA) ou Açailândia (MA). Em situações como essas, cabe aos Tribunais de Contas Municipais (quando existirem) ou Estaduais garantirem que a legislação seja cumprida.

Ao mesmo tempo, ao longo da pesquisa identificamos que o fato das prefeituras tornarem os dados disponíveis, não necessariamente garante sua acessibilidade. Dependendo da estrutura dos Portais de Transparência, essas despesas podem ser apresentadas de forma desagregada, como no caso de Canaã dos Carajás (PA) e Parauapebas (PA), o que dificulta consideravelmente o monitoramento pela sociedade.

Idealmente os portais de transparência deveriam possuir filtros que apresentassem as despesas organizadas por fonte, facilitando o monitoramento pela sociedade. A falta de padronização na estrutura desses Portais da Transparência é um elemento que dificulta também o acesso aos dados. O Painel do Orçamento Federal (https://www1.siop.planejamento.gov.br/) possui uma estrutura que permite recuperar esses dados de forma relativamente simples e poderia ser usado como exemplo para a padronização dos portais municipais.

Minha preocupação é se existem mecanismos para garantir que a população local tenha representação na gestão e controle da CFEM.

Não existe previsão na legislação federal para a criação de tais mecanismos. Eles podem ser estabelecidos em legislação municipal, como nos casos em anexo.

Como despertar na comunidade local a necessidade de discutir sobre a transparência no acesso às informações sobre a CFEM, sem que isto parta de um lugar verticalizado (universidades, MP, etc) ​ou seja, a gente (pesquisadores/as, representantes do estado) constata a falta de transparência e a necessidade do debate, mas como apontar localmente esta necessidade?

Superar a distância existente entre universidades/instituições de justiça e os movimentos populares é um desafio presente em várias comunidades. Idealmente essa preocupação deveria surgir da própria sociedade, mas muitas vezes movimentos locais nem mesmo conhecem a estrutura orçamentária dos municípios. Em tais situações, é importante que projetos de pesquisa ou a atuação das instituições de justiça sejam pensados e construídos em parcerias com movimentos populares de forma a criar mobilização em torno da questão. Se isso não ocorrer dificilmente haverá pressão social para a mudança no uso desses recursos pelos governos locais.

Em nosso projeto, originalmente pensávamos em iniciar a pesquisa a partir de rodas de conversa com movimentos populares em cada um dos municípios estudados. A pandemia da COVID-19 impediu que isso ocorresse e temos tentado a mobilização virtual (o que se mostrou extremamente desafiador). Apesar das limitações impostas pelo momento que vivemos, começamos a colher frutos e estamos em articulação com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) no estado do Pará. Em Goiás, estamos em diálogo com o Conselho Estadual de Saúde. Em Minas Gerais, temos sido provocados por outros municípios (ex. Itabira e Congonhas) para estender o projeto para essas localidades. Não existe uma “fórmula mágica” e em cada município, deverá ser pensada uma estratégia adequada ao seu contexto.

Se o controle social dos gastos de CFEM em prefeituras é difícil, como fazer o controle do que as empresas devem pagar, considerando produção e valor das commodities?

Até o momento, nosso foco tem sido a transparência no âmbito municipal. Ao longo da pesquisa, lidamos de forma preliminar com os dados disponíveis na ANM e muito nos chamou a atenção a falta de informação sobre até que ponto a ANM consegue controlar de fato a fidelidade das informações fornecidas pelas empresas mineradoras.

De acordo com artigo escrito por Caio de Freitas Paes, quase 6 mil mineradoras possuem dívidas junto ao governo federal, totalizando uma um valor próximo a R$ 8,6 bilhões. Desse total, uma parte significativa envolve sonegação fiscal, débitos com a previdência social e direitos trabalhistas. Esse quadro indica a leniência com a qual o governo federal trata as empresas mineradoras. Nesse sentido, um aprimoramento do sistema de monitoramento e, mais ainda, de controle do setor mineral se mostram urgentes. Todavia, essas questões estão, no momento, fora do escopo de nosso projeto.

Para assistir o Seminário gravado, acesse AQUI!

Comunicação Comitê

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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