No dia 17 de fevereiro, moradores do município de Barcarena denunciaram o vazamento de rejeitos da refinaria Hydro Alunorte, pertencente à empresa norueguesa Norsk Hydro.

A refinaria está localizada no polo industrial de Barcarena e beneficia bauxita proveniente das minas da empresa em Paragominas (PA) e Oriximiná (PA), produzindo a alumina calcinada, estágio intermediário entre a bauxita e o alumínio.

Desde então, uma série de irregularidades foram encontradas pelos órgãos de fiscalização. Laudo do Instituto Evandro Chagas (IEV), acionado pelo Ministério Público do Pará (MP-PA) e pelo Ministério Público federal (MPF), confirmou a contaminação por alumío, nitrato e sódio de diversas áreas de Barcarena provocada pelo vazamento de rejeitos da Hydro Alunorte.

Ainda, a perícia flagrou tubulação clandestina utilizada para despejo de rejeitos. Problemas de pele, oftamológicos e digestivos vêm sendo relatados pelos moradores das vilas vizinhas. Muitos moradores não estão recebendo água da empresa e só não ficam sem água por causa de doações.

Não foi o primeiro vazamento de rejeitos da refinaria da Hydro em Barcarena. Em 2009, um grande vazamento de rejeitos da Hydro atingiu diversas comunidades de Barcarena, contaminando rios e igarapés com chumbo e mercúrio.

A empresa foi multada em R$ 17 milhões, punição esta que jamais foi paga. Em pesquisa do Laboratório de Química Analítica e Ambiental (LAQUANAM), da UFPA, foram encontrados 24 locais contaminados por chumbo. Os trabalhadores e as pessoas que consomem a água contaminada são os principais afetados. Ao todo, considerando as outras empresas do polo industrial, foram pelo menos oito vazamentos de grandes proporções, em Barcarena, desde 2000.

Em decorrência das recentes violações, o Ibama multou a Hydro em R$ 20 milhões e embargou o Depósito de Rejeitos Sólidos n° 2 (DRS-2) e a tubulação de drenagem de efluentes em Barcarena.

Já o Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) determinou a redução em 50% da produção local da empresa, proibiu o funcionamento de uma das bacias da mineradora e estipulou multa de R$ 1 milhão por dia caso a empresa desrespeite a decisão.

Em resposta às medidas do IBAMA e do TJ-PA, a Hydro vem mobilizando seus trabalhadores e funcionários de empresas terceirizadas a se manifestarem a favor da continuidade das atividades da empresa sem cortes. Para isso, a Hydro se aproveita da situação de dependência de Barcarena pela empresa.

 

 

Mas no que consiste esta dependência?

Podemos definir a minério-dependência enquanto situação na qual, devido à especialização da estrutura produtiva de um município, região ou país na extração/refino de minerais, os rumos da estrutura local são condicionados pelos interesses de grandes empresas e mercados internacionais. Esta relação de subordinação faz com que as decisões sobre o que ocorrerá na estrutura produtiva local sejam tomadas por agentes que não têm seus interesses ligados à população local. Portanto, o que acontece em Barcarena depende em grande parte do que decide uma grande empresa mineradora norueguesa. As possibilidades e alternativas em Barcarena são condicionadas por esta relação de poder.

Ao mesmo tempo em que é criada a dependência, a empresa legitima sua atividade junto à população barcarenense com a promessa do desenvolvimento. Entretanto, os indicadores de mercado de trabalho apontam dificuldades para a população trabalhadora de Barcarena.

A taxa de desemprego em 2010, em pleno boom das commodities, foi de 13,7%. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Barcarena também se mostra insatisfatório (0,662), já que apresenta IDHM abaixo da média brasileira (0,727). Ainda, 49,6% de sua população é vulnerável à pobreza e 10,5% está abaixo da linha de extrema pobreza.

Tendo em vista os gigantescos danos causados freqüentemente pelas empresas de mineração e suas refinarias, e as contrapartidas insuficientes gerados pela atividade, a pergunta que se faz é:

a que se deve a falta de alternativas econômicas na região que contrariem a dependência?

 

 

A dependência é um fenômeno não apenas econômico, mas também político.

As empresas financiam campanhas de políticos, em níveis municipal e estadual, criando uma estrutura política de reprodução de suas atividades, o que cria dificuldade em criar alternativas, uma vez que os esforços e os investimentos públicos serão direcionados para a manutenção e incentivo da atividade principal.

A situação de minério-dependência não é criada pela simples presença de reservas minerais, a chamada rigidez locacional da mineração, por mais que esta seja uma das condições para sua existência. A minério-dependência é antes de tudo uma relação de subordinação. Subordinação frente à empresa, subordinação ao mercado internacional e subordinação a uma atividade notoriamente geradora de danos.

 

 

O que se encontra subordinado? Os interesses da população de Barcarena.

É do interesse da Hydro que a relação de dependência seja mantida e reproduzida. Alternativas econômicas, que causam impactos menores e são intensivos em mão de obra, são sistematicamente negadas pelos poderes municipal e estadual, que, orientados pela empresa e pela arrecadação de curto prazo decorrente da manutenção da atividade mineradora, direcionam investimentos e vantagens à mineração e sua cadeia produtiva.

A empresa joga com a situação de dependência, sendo inclusive beneficiada por ela. A qualquer possibilidade de paralisação das atividades da empresa, decorrente de violações cometidas pela mesma, anuncia-se o desemprego como efeito imediato, buscando jogar a população local contra os órgãos estatais. Estes órgãos se veem, então, entre a cruz e a espada.

Obviamente, em qualquer medida de reparação, o ônus resultante deverá recair sobre a empresa, que foi o agente que cometeu as violações. Para além disso, cabe às autoridades criar alternativas econômicas em Barcarena para além do polo industrial baseado na mineração e em sua cadeia produtiva. Buscando incentivar atividades econômicas que gerem empregos e arrecadação, sem os danos causados pelo atual polo industrial. Assim, já são décadas de violações e danos. Caso não sejam formadas alternativas para a região, certamente, em breve, veremos novas violações causadas pela empresa e endossadas pela minério-dependência.

 

[1] Theotônio dos Santos (1936–2018) foi um dos principais formuladores da Teoria da Dependência. Foi por meio de seus estudos que pudemos enxergar os laços de dependência que atam as regiões mineradas. Este texto é uma singela homenagem a ele.

[2] Tádzio Peters Coelho é Pesquisador do grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) e integrante da secretaria-executiva do Comitê em Defesa dos Territórios.

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