Por Bruno Milanez[1]
Desde o anúncio dos primeiros casos de COVID-19 no Brasil, os jornais continuaram noticiando a intensificação da mineração ilegal na Amazônia. Essa atividade vem ampliando o desmatamento na região, contribuindo para a contaminação dos rios e, agora, aumentando o risco de propagação do SARS-Cov-2 em territórios onde vivem Povos Indígenas e comunidades ribeirinhas. Nesse contexto, em 23 de abril, Alexandre Vidigal de Oliveira, juiz federal que foi indicado para o cargo de Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME), optou por publicar, em O Globo, um texto onde afirma que a mineração “é essencial não apenas porque se quer; mas é essencial por realmente ser”. Sem abordar as questões mais prementes que se relacionam com o setor, o texto diz o óbvio: muitos dos bens necessários para o combate à pandemia utilizam, em alguma medida, minérios. Infelizmente, ele não vai muito além disso.
Afirmar que o padrão de vida moderno e urbano está baseado no uso de recursos minerais não é uma novidade. Esse é o argumento que o setor normalmente apresenta quando precisa se justificar perante à sociedade. Por outro lado, ele omite a discussão que realmente se faz urgente nesse momento: em tempos de pandemia e redução da atividade industrial em todo o mundo, quais minerais são realmente essenciais e em que quantidades eles são necessários?
Segundo a Sinopse Mineral do MME, em 2017, a mineração teve uma participação de 0,66% no PIB brasileiro. No mesmo ano, ela teria gerado quase 169 mil empregos. Muitos desses trabalhadores e trabalhadoras se expõem diariamente ao novo coronavírus. Entre eles estão aqueles que trabalham no espaço confinado das minas subterrâneas do sul do país, os que realizam o movimento pendular das cidades dormitórios para as minas no Quadrilátero Ferrífero, e ainda os que se encontram em áreas isolada no interior do Pará, sem uma adequada infraestrutura de saúde. Ao mesmo tempo, as medidas de isolamento social anunciadas por algumas empresas mineradoras têm se mostrado insuficientes, uma vez que já foram confirmados casos de infecção e óbito de trabalhadores do setor mineral.
Em sua Portaria de 23 de março, o MME estipulou que toda e qualquer atividade da cadeia mineral seria essencial. Os técnicos do Ministério deixaram de fazer uma pergunta básica: o que há de essencial na mineração? Assim, eles incluíram como essencial a pesquisa mineral; trabalho exploratório dos geólogos que buscam novas reservas minerais, que dificilmente serão exploradas em menos de 10 anos. Da mesma forma, a tecnocracia mineral não problematizou o fato de que entre 70% e 90% dos principais minérios extraídos no Brasil (ex. ferro, cobre, ouro, manganês) são exportados, pouco contribuindo para o combate à COVID-19 no país. Eles também deixaram de debater os estoques já acumulados nos pátios das empresas, e como eles poderiam permitir uma redução da extração mineral durante a fase crítica da pandemia. Passado mais de um mês da assinatura do decreto, o Governo Federal manteve a decisão de não realizar nenhum planejamento responsável para o setor e endossou a portaria, por meio do Decreto 10.329/2020 de 28 de abril.
Definir a mineração como atividade essencial no contexto da pandemia não é uma exclusividade do Brasil. Na América Latina, isso também foi feito no Chile, Colômbia e Equador. Países com economia de base extrativa, cujos governos passam por crises de legitimidade depois dos intensos protestos dos últimos anos. Tais manifestação foram despertadas por, entre outras coisas, o aumento da desigualdade social e a perda de poder aquisitivo que se abateram sobre essas sociedades após a implosão da bolha das commodities em 2013.
Se o MME possuísse capacidade de coordenação, antes de tomar uma decisão que coloca em risco a saúde de tantos trabalhadores e de suas famílias, ele promoveria um amplo debate com os sindicatos, as empresas do setor, os grandes consumidores, as secretarias de saúde e as lideranças comunitárias dos municípios da mineração. Isso permitiria planejar uma redução controlada e temporária da atividade mineradora. Algo assim protegeria vidas e ainda reduziria o risco de um novo colapso de preços, com os decorrentes impactos econômicos nas cidades da mineração. Fazer política mineral em tempos de pandemia deveria significar estabelecer escalas e ritmos de extração, regulação de estoque, planos remunerados de capacitação e reciclagem dos trabalhadores que ficassem em casa, apoio às pequenas e médias empresas mineradoras, controle da mineração ilegal. Uma coordenação dessa natureza se faz urgente nesse momento. Caso ela não aconteça, talvez as maiores contribuições do setor mineral para a crise da COVID-19 no país sejam o aumento do adoecimento, a sobrecarga do sistema de saúde nas cidades da mineração e o incremento no número de mortes no país.
[1] Professor Associado da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS).
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