Extração de recursos no Brasil Faturamento comercial indevido no setor de mineração
A questão da utilização de práticas empresariais diversas com a finalidade de promover transferências internacionais de lucros e rendimentos, evitando o pagamento de impostos, deve ser compreendida no contexto de uma economia globalizada, resultante de décadas de progressiva internacionalização das empresas – que se expandiram a diversos mercados – e da produção – constituindo-se na distribuição internacional de etapas das cadeias produtivas entre firmas independentes ou integradas a um mesmo grupo.
A forte expansão internacional das grandes empresas, liderada por Estados Unidos, Alemanha e Japão, determinou mutação significativa nos fluxos de comércio e a emergência de novas formas de concorrência entre os grupos empresariais. Mais recentemente, a internacionalização produtiva de grandes empresas foi ancorada também nos processos de abertura comercial e financeira, observado tanto nas economias avançadas como nas periféricas. Esse processo refletiu-se na formação de cadeias globais de produção, decorrentes das estratégias de localização espacial das empresas e da reorientação do investimento externo direto – beneficiando principalmente a China e demais economias asiáticas e gerando mudanças na divisão internacional do trabalho (IEDI, 2013). Dessa forma,ocorreu um movimento de fusões e aquisições – centralização do controle – simultâneo à diversificação e descentralização da produção em escala internacional.
Essa internacionalização se deu também numa situação de abertura das contas de capitais, elevação da liquidez internacional e desregulamentação do mercado financeiro, o que se traduziu em maior liberdade para os fluxos internacionais de capitais. Esse amplo processo de desregulamentação financeira promovido nas últimas décadas procedeu à dissociação entre a riqueza nacional e a riqueza dos residentes da nação, uma vez que elas não mais se encontram alocadas em um mesmo âmbito econômico regulado soberanamente pelo Estado-nacional. Ao mesmo tempo, as reformas financeiras e a mudança nos compromissos sociais assumidos pelo Estado, em um contexto de elevação de taxas de juros dos países de moeda não conversível – adotada a fim de evitar a saída de capitais –, causou uma reorganização de suas economias, favorável ao fortalecimento de grupos rentistas (MEDEIROS, 2003). A globalização e a internacionalização das empresas, o avanço tecnológico e a alta expertise das empresas multinacionais ocorreram sem o devido acompanhamento das administrações tributárias e das formas regulatórias relacionadas.
Assim, a “transnacionalização das empresas e sua localização em multimercados não foram acompanhadas de uma regulação internacional compatível com a “desterritorialização” da produção e com a desregulamentação e integração dos mercados financeiros” (IEDI, 2013, p.7-8). Na prática, as empresas passaram a dispor de uma capacidade privilegiada relacionada à alocação internacional de seus ativos, recursos produtivos e financeiros e mesmo da alocação dos riscos em que incorrem em suas atividades. Com a intensificação do comércio entre partes vinculadas, a realização de empréstimos ou a reordenação dos ativos entre empresas de um mesmo grupo e com a generalização do uso de centros financeiros offshoreenquanto prática 5 E x t r a ç ã o d e r e c u r s o s n o B r a s i l IJF – LATINDADD empresarial, foram estabelecidos importantes vetores do crescimento da fuga de capitais para a transferência internacional de lucros e rendimentos com a finalidade de evadir e sonegar tributos. Nota-se que os centros offshore, localizados em países ou regiões específicas subnacionais que oferecem diferentes níveis de sigilo aos negócios privados, são plenamente integrados com o sistema financeiro global e neles transitam parcela significativa do comércio e do investimento internacional (UNCTAD, 2014a).
Enquanto as multinacionais orientam-se à realização de lucros em escala global, as políticas tributárias são vinculadas aos interesses de governos nacionais. Assim, as decisões de política tributária impactam nas decisões de localização da atividade produtiva tomadas pelas multinacionais, enquanto as decisões dessas últimas influenciam o tamanho da receita tributária que os países podem obter (CLAUSING, 2009; 2011). A maior mobilidade do capital produtivo acabou gerando uma concorrência fiscal entre países, a fim de atrair investimentos produtivos. Consequentemente,as alíquotas efetivas de impostos sobre os lucros das empresas diminuíram, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos (UNCTAD, 2014a). Uma forma de compensação adotada foi a elevação da incidência de impostos indiretos, como os impostos sobre valor agregado, que têm caráter regressivo e possuem impactos negativos sobre a distribuição de renda. As mudanças associadas a esse contexto de internacionalização possibilitam a realização de agressivo planejamento tributário pelas empresas, que resulta na deterioração da base fiscal dos Estados Nacionais e na fragilização de sua soberania e governança. Essa condição apresenta-se com ainda mais intensidade nas economias em desenvolvimento, muitas das quais estão posicionadas de forma passiva na dinâmica da internacionalização produtiva. No contexto das políticas liberalizantes iniciadas nos anos 1980, ocorreram profundas transformações nas relações interno-externas das economias, com impactos significativos nas economias periféricas. A América Latina, em especial, foi especialmente afetada pelas transformações na economia mundial, sendo protagonista dos resultados mais radicais desse processo (MEDEIROS, 2003). Durante a década de 1990, muitos países da região praticaram abrangente abertura da conta capital, promoveram privatizações, desnacionalizaram setores de infraestrutura e realizaram reformas nos seus sistemas de proteção social.
Processos de privatização, como os ocorridos no Brasil e na Argentina, ocasionaram “uma desnacionalização sem precedentes na economia mundial” (MEDEIROS, 2003, p. 3). Essa mudança na inserção internacional latino-americana causou um acúmulo de grande passivo externo ao mesmo tempo em que provocou também o crescimento dos ativos financeiros privados em moeda estrangeira. Muitas empresas brasileiras passaram a participar dessa dinâmica de internacionalização, entre elas as companhias mineradoras. O setor extrativo mineral é estratégico para a economia brasileira e ocupa espaço privilegiado na inserção comercial do País. As companhias do setor extrativo também são empresas atuantes na realização de investimentos no exterior. A presente investigação propõe-se a identificar a perda de recursos associada a formas de faturamento comercial indevido na exportação de minério de ferro. Conforme será 6 E x t r a ç ã o d e r e c u r s o s n o B r a s i l IJF – LATINDADD discutido, o problema da fuga de capitais e da perda tributária relacionada a esse fenômeno afeta especialmente os países em desenvolvimento. O Brasil é frequentemente mencionado na literatura como um dos países mais prejudicados pela fuga de capitais. Estimativas revelaram que a pratica de preços de transferência tem sido o principal mecanismo utilizado para a fuga de capitais dos países em desenvolvimento e em particular no caso brasileiro (KAR; LEBLANC, 2013; KAR; 2014).
A despeito de sua relevância, o tema da fuga de capitais ainda é muito pouco discutido no País e é raramente levantado no debate público, mesmo nas circunstâncias recentes em que cresceram as discussões em tono dos problemas do offshore e dos paraísos fiscais no âmbito internacional. Nesse sentido, busca-sepor meio do maior conhecimento sobre o tema e a partir do estudo de um caso específico promover a discussão sobre questões fiscais importantes a partir da ótica da justiça fiscal. Trata-se, portanto, de uma concepção alternativa àquela que domina os meios de comunicação e as mais frequentes propostas de política econômica e tributária. Tal concepção visa conduzir a uma reordenação da base fiscal, tornando o sistema tributário mais justo e equitativo. Além desta Introdução, o presente trabalho é composto por outras três seções. Na Seção 2 discute-se a problemática da fuga de capitais e do faturamento comercial indevido, destacando os impactos dessas questões sobre os países em desenvolvimento. Na Seção 3, apresenta-se a estimativa realizada para mensurar a fuga de capitais associada ao faturamento comercial indevido nas exportações de minério de ferro. Uma breve discussão da metodologia utilizada é seguida pela apresentação dos resultados obtidos. Finalmente, apresentam-se sintéticas considerações finais, indicando as contribuições deste trabalho.
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