Aprovado no Senado nesta quarta, 21 de maio, o projeto de lei do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021) agrava o cenário de destruição socioambiental a partir da adoção de procedimentos menos rigorosos. Após passar pelo plenário do Senado, o projeto volta para a Câmara dos Deputados para novo exame .

Arquitetura da disputa política

O controverso projeto de lei  tramitou na Câmara dos Deputados durante 17 anos, desde 2004. Mas só obteve correlação de forças para ser aprovado e avançar ao Senado em 2021. Nesse período, o governo Bolsonaro e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), chefiado por Ricardo Sales, implementaram  a política de “deixar passar a boiada” . Isso significou um apoio contundente à desregulamentação ambiental, com ampla ressonância nas bancadas ruralista e da mineração/garimpo no parlamento. 

No Senado, o PL foi aprovado , em um contexto de disputas entre os poderes e fortalecimento dos grupos de interesse corporativos via legislativo. Por outro lado,  o MMA hoje liderado por Marina Silva, apontou em suas redes de comunicação, preocupações em relação aos possíveis impactos negativos do PL 2159 “|…| qualquer mudança [no licenciamento ambiental] precisa ser amplamente discutida, inclusive junto com a sociedade, para que não tenhamos nenhum tipo de retrocesso” ¹. E,  além disso, a ministra trouxe ao debate os riscos da liberação da exploração de  petróleo na Foz do Amazonas. Visto os interesses econômicos que envolvem esse projeto, uma chave de leitura possível é que a presidência do Senado movimentou a pauta do licenciamento como forma de exercer pressão política para limitar o MMA e principalmente colocar o governo Lula contra a parede ao mesmo tempo que afaga o agronegócio e a mineração. 

Plenário do Senado durante sessão — Foto: Andressa Anholete/Agência Senado

É válido lembrar que o quadro de desmonte para fins dos interesses das corporações em curso no Senado não termina com a Lei Geral do Licenciamento. A Senadora Tereza Cristina (PP/MS) – relatora do projeto de lei  junto com  Confúcio Moura (MDB/RO)- também preside na casa legislativa, o GT para regulamentação de mineração em Terra Indígena.  Ela é ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro e está alinhada às demandas dos latifundiários no Congresso Nacional. 

Reinclusão da Mineração ao PL

No calor dos desastres provocados por mineradoras no país, em especial pela Samarco/Vale/BHP Billiton e Vale S.A., quando tramitou na Câmara dos Deputados, sob a nomenclatura PL 3729/2004, a proposição excluiu empreendimentos minerários de grande porte e/ou de alto risco da nova legislação. No entanto, o PL não estabeleceu de forma explícita os critérios que definem o porte de um empreendimento. Ainda assim,  a flexibilização da mineração de pequena e média escala tende a ampliar os riscos para as comunidades e a natureza. “Além disso, indicamos que, nos municípios minerados, os Povos Indígenas sem regularização de suas terras poderão ser gravemente impactados com as novas medidas” (MILANEZ; MAGNO; WANDERLEY, 2021).

Quando esse texto chega ao Senado, o ex-parlamentar Luiz do Carmo apresentou a Emenda nº 10-Plen, que trouxe de volta a mineração de grande escala ao escopo do PL. Os relatores acataram a proposta, alegando que uma “lei geral”  trata da “ aplicabilidade a todos os empreendimentos sujeitos ao controle prévio do poder público, restando inoportuno excluir parte de um setor de sua abrangência.” 

Também é importante comentar sobre a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) que autoriza a instalação, ampliação e operação de uma atividade mediante  autodeclaração da empresa. No projeto de lei a LAC  inclui  empreendimentos de pequeno e médio porte. Mas, como já apontado, essas classificações sobre o porte são frágeis, permitindo que projetos com riscos relevantes sejam liberados sem a devida avaliação . Vale lembrar que a mineração é altamente poluidora, mesmo em pequena e média escala. 

Nesse sentido, o PL piora as condições de proteção dos territórios ao aumentar os riscos socioambientais com a implementação de empreendimentos minerários pouco ou nada discutidos pela população atingida e avaliados por estudos ambientais. Deixando a população em alerta quanto ao perigo da repetição de crimes ambientais como os rompimentos de barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), que se alastram por bacias hidrográficas importantes como o rio Doce e Paraopeba. As  consequências serão graves, como mostra os depoimentos dos sobreviventes  de uma das tragédias recentes da mineração: “O meu avô tinha um sonho, até um ano atrás, ele conseguia falar. Ele falava que ia voltar. Hoje, ele já não sabe. Ele conversa com você, ele já esquece. Isso é muito doloroso. Saber que sonhos foram destruídos” Mulher indígena Pataxó da aldeia Naô Xohã.

Outro possível efeito do projeto de lei é a ampliação do  avanço da cadeia produtiva mineral  em áreas de florestas preservadas. A exploração mineradora pode induzir desmatamento a uma distância de até 70 km das minas² provocando grandes impactos ecológicos, sobretudo na Amazônia. 

Desregulamentação como modelo e aumento das violações de direitos  

O PL 2159, em diversos aspectos, é menos restritivo do que a legislação de muitos estados. Isso pode gerar tensionamentos políticos, de modo que a  “flexibilização criada por esta norma desencadeará, no médio prazo, um efeito cascata, e muitos estados e municípios irão alterar suas normas ambientais para se enquadrar no modelo nacional” (MILANEZ; MAGNO; WANDERLEY, 2021)

Essas possíveis consequências do PL 2159/2021 se inscrevem num contexto altamente conflituoso de violações de direitos, sobretudo quando se aborda o setor mineral no Brasil . Dessa forma a proposta legislativa tende a impulsionar o aumento da violência. Para se ter uma ideia , de 2020 a 2023 o Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil, levantou dados que apontam 1488 ocorrências de conflitos associados com corporações multinacionais em 845 localidades. Além disso, foram 810 ocorrências de mineradoras legais de pequeno e médio porte no país, em 571 localidades. Ou seja, foram 2298 ocorrências em 1381 localidades, somente considerando o setor formalizado de extração, sem incluir as transformações minerais.

Os principais segmentos populacionais impactados são os pequenos proprietários rurais, as populações urbanas, os trabalhadores, os quilombolas, os indígenas e outros povos tradicionais. Ou seja, há ainda um componente de racismo ambiental, que significa que os danos ambientais recaem sobre populações mais vulneráveis política e economicamente, e criminalizadas da sociedade brasileira. 

Assim, o Brasil corre o risco de ter multiplicado os números de barragens, minas e complexos minerários por todo país, sem os devidos estudos ambientais, os debates públicos e as consultas prévia e informada das comunidades tradicionais ameaçadas.  

Referências: 

¹https://www.instagram.com/p/DJt-PvuvtdU/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA== acesso em 20/05/2025

 ²Sonter, L.J., Herrera, D., Barrett, D.J., Galford, G.L., Moran, C.J., and Soares-Filho, B.S. (2017). Mining drives extensive deforestation in the Brazilian Amazon. Nat. Commun. 8, 1013.

COMITÊ NACIONAL EM DEFESA DOS TERRITÓRIOS FRENTE À MINERAÇÃO. Conflitos da mineração no Brasil 2023: relatório anual. Brasília: Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil, 2024.

Milanez, B.; Magno, L.; Wanderley, L. J. (2021) O Projeto de Lei Geral do Licenciamento (PL 3.729/2004) e seus efeitos para o setor mineral. Versos – Textos para Discussão PoEMAS, 5(1), 1-32. ISSN: 2526-9658

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/05/09/entenda-a-proposta-do-marco-regulatorio-do-licenciamento-ambiental acesso em 20/05/2025

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