O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração lança no Brasil o Relatório Global:Vozes da Terra – Como a indústria da mineração global está se beneficiando da pandemia de COVID-19
Na semana passada, 300 organizações Globais assinaram o Manifesto: O setor global da mineração aproveitando a pandemia da COVID19: tendências, impactos e respostas – Acesse aqui
O relatório mostra como a Indústria Mineral Global lucra com a pandemia, colocando comunidades e trabalhadores em risco de adoecimento, repressão e retrocessos regulatórios
(Ottawa / Londres / Cidade do México / Washington) – (2 de junho de 2020) Desde março, o setor mineral tem sido declarado essencial em muitos países ao redor do mundo, permitindo que operem em meio a lockdowns governamentais com resultados devastadores, de acordo com o novo relatório. A análise tem por base relatos de campo e o levantamento de aproximadamente 500 fontes incluindo notícias e declarações de empresas e organizações da sociedade civil. Dessas, 180 são diretamente relacionadas a comunidades e trabalhadores.
Como resultado do comportamento do setor no meio da pandemia, os autores chamam a atenção para o fato de instalações mineradoras estarem se tornando centros de disseminação da doença, colocando em grande risco trabalhadores, bem como comunidades Indígenas e rurais, muitas das quais já têm a saúde impactada pelas atividades da mineração.
Mais de 3.000 trabalhadores da mineração em 18 países diferentes relataram surtos nas minas onde trabalham, o que levou ao medo de que o vírus se espalhasse entre as populações locais, com doenças pré-existentes associadas à atividade mineral, que as tornam particularmente vulneráveis.
Grandes surtos nos projetos Cobre Panama (Panamá), Olimpiada (Rússia), Lac des Iles (Canadá) e Antamina (Peru) não foram reconhecidos, embora centenas de trabalhadores tenham testado positivo. Apesar disso, de acordo com o relatório, as empresas continuam a operar. A falta de testes em muitos lugares e um monitoramento limitado significam que os números poderiam ser muito maiores, afirmou um dos analistas.
Diante do estabelecimento de lockdowns, defensores dos territórios e das águas passam a sofrer riscos crescentes. Relatos de campo indicam que empresas e governos estão usando a pandemia para abafar ou reprimir manifestações comunitárias existentes há muito tempo, como nas Filipinas, em Honduras, na Turquia e no Equador. Defensores de direitos humanos também estão sendo ameaçados e assassinados com maior frequência em países como Colômbia e México, de acordo com fontes locais. Em alguns casos, mudanças na legislação estão sendo implementadas e poderão aprofundar a criminalização de manifestações e aumentar a repressão.
Nas Filipinas, o governo de Rodrigo Duterte está usando a pandemia para continuar seu ataque contra defensores de direitos humanos e dos territórios. Em abril, manifestantes em um acampamento pacífico que protestavam contra a mina Didipio da empresa Oceana Gold foram violentamente expulsos por forças policiais. Organizações da sociedade civil condenaram o assassinato de ativistas anti-mineração e a contínua perseguição política.
“Mesmo no contexto da pandemia da COVID-19, assassinatos e outras formas de violações de direitos humanos continuam sob o regime despótico do Presidente Rodrigo Duterte”, comentou a organização Kalikasan People’s Network for the Environment em uma declaração para a imprensa.
Em Honduras, a administração de Juan Orlando Hernández impôs toque de recolher e suspendeu os direitos fundamentais, incluindo liberdade de expressão e de reunião, usando a polícia e as forças armadas para garantir essas medidas. Nesse meio tempo, autoridades criaram processos online para tornar ainda mais fácil para as empresas obterem as licenças ambientais, que são solicitadas, avaliadas e concedidas em sigilo.
“Isto é exatamente como em 1988, quando a lei de mineração foi aprovada logo após o Furacão Mitch, um dos maiores desastres que ocorreu em Honduras, que tirou a vida de 20.000 pessoas e deixou 3 milhões desabrigados, com um impacto econômico que nos fez retroceder 40 anos. Hoje, no meio de uma emergência humanitária global devido à COVID-19, o governo ilegítimo de Juan Orlando Hernández está se aproveitando da crise para implementar medidas corruptas em favor da mineração” disse Pedro Landa da organização Equipo de Reflexión, Investigación y Comunicación (ERIC), Honduras.
Em outros locais, a empresas estão garantindo mudanças na regulação para se beneficiarem agora e no futuro, de acordo com a análise.
No Brasil, um vídeo divulgado pela Supremo Tribunal Federal revelou o Ministro do Meio ambiente afirmando que a pandemia é uma “oportunidade” para enfraquecer a política ambiental. Nos últimos dois meses, o governo Bolsonaro demitiu membros do Ministério do Meio Ambiente responsáveis por controlar a mineração ilegal na Amazônia, enquanto distribuía centenas de concessões minerais e avançava para aprovar a legislação que abre Terras Indígenas para a mineração.
“Desde que Jair Bolsonaro assumiu o governo brasileiro, as terras indígenas estão cada vez mais ameaçadas por atividades econômicas predatórias que ameaçam a integridade dos nossos territórios ancestrais e os recursos naturais para a nossa sobrevivência. Com a crise do COVID-19, a ação de garimpeiros, madeireiros, missionários, narcotraficantes e outros invasores representa uma ameaça ainda maior, pois podem levar o vírus aos nossos territórios e comunidades. Por isso, exigimos que toda e qualquer atividade econômica em nossos territórios seja paralisada imediatamente, garantindo, assim, a proteção de todas as nossas crianças, mulheres, homens, jovens, sábios anciões e dos nossos parentes em isolamento voluntário” comentou Nara Baré, coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Neste contexto, as doações de empresas mineradoras a comunidades e governos é vista como uma tentativa de limpar a sua imagem, especialmente pelo fato de elas manterem comunidades, trabalhadores e o meio ambiente em situações de risco crescente.
“A COVID-19 não é a única crise sanitária que nós estamos enfrentando. Por décadas, as comunidades que vivem próximas à mina Escobal lutam para proteger sua saúde dos impactos das atividades mineradoras. A justiça da Guatemala ordenou que a empresas Pan American Silver suspendesse suas atividades durante a consulta, e isto atinge as comunidades, o que gera aumento da tensão e dos conflitos. A Pan American Silver deveria orientar seus trabalhadores a permanecer em casa e a parar de tentar comprar apoio para a mina durante essa grande crise de saúde”, disse Luis Fernando García Monroy em nome do Parlamento Xinka.
De forma geral, as histórias coletadas para esse relatório revelam que as pessoas impactadas pela mineração enfrentam diferentes pandemias em várias áreas – saúde, economia, violência, militarização e captura regulatória – que vão se acentuando à medida que a COVID-19 se combina com os impactos do setor mineral predatório, o qual elas continuam a enfrentar para defender seus territórios, água, saúde e modo de vida.
“Vislumbrar um caminho que leve à garantia de boa comida, ar e água limpos, comunidades saudáveis e a sobrevivência planetária não deve ser responsabilidade das corporações mineradoras e seus apoiadores, que são orientados por sua busca implacável pelo lucro. Porém, as lutas centradas na saúde e as estratégias coletivas das comunidades impactadas pela mineração e pelos Povos Indígenas podem nos ajudar a focar no que é realmente essencial para criar um futuro mais saudável para todos”, afirmou Kirsten Francescone, Coordenadora do Programa para América Latina da organização MiningWatch Canada.
Relatório em Inglês: Aqui
Relatório em Português: Aqui
* Este relatório foi organizado com contribuições de Earthworks (EUA), Institute for Policy Studies – Global Economy Program (EUA), London Mining Network (Reino Unido), MiningWatch Canada, Terra Justa, War on Want (Reino Unido) e Yes to Life No to Mining com o apoio de muitas outras organizações.
Para maiores informações, por favor, entre em contato com:
Kátia Visentainer, Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, katia@emdefesadosterritorios.org
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