Equipe do projeto observou que as prefeituras de municípios minerados não problematizam como os recursos estão sendo utilizados, e, tampouco se eles serão investidos em alternativas que reduzam a dependência econômica do município.
A grande mineração no Brasil causa impactos ambientais e sociais, contudo, é uma atividade que tem pouca fiscalização pelo Estado. Por outro lado, pouco se fiscalizam esses impactos, pouco se fiscaliza o que é feito com a renda gerada pela extração mineral.
Os recursos minerais são bens da União, e, para explorá-los, as mineradoras, empresas privadas, devem pagar ao Estado uma Compensação Financeira. Ou seja, como as mineradoras fazem a extração desses bens que são da sociedade, elas devem pagar um valor por esse privilégio de extrair as matérias-primas que são finitas, e que, portanto, irão se esgotar.
A Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM) consiste em um recurso financeiro arrecadado pelo Estado brasileiro que é especificamente associado à exploração mineral, e foi instituída pela Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, juntamente com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Hídricos (CFURH) e os royalties do petróleo e gás. A compensação financeira é paga pelas mineradoras para o órgão regulador federal, que é a Agência Nacional de Mineração (ANM).
Devem pagar CFEM, obrigatoriamente, o titular de direitos minerários que exerça a atividade de mineração; quem compra o bem mineral extraído sob o regime de permissão de lavra garimpeira; o adquirente de bens minerais arrematados em leilão público; e, por fim, quem exercer, a título oneroso ou gratuito, a atividade de exploração de recursos minerais com base nos direitos do titular original
O Brasil é um país minerado, e arrecada compensação financeira de 184 substâncias minerais. No entanto, a arrecadação da CFEM é geralmente associada à mineração de ferro, que realmente, tem um peso maior na contribuição, em 2019, correspondeu por 69% do recurso gerado pela exploração mineral. Na sequência vem o cobre, com 7%; o ouro com 5%; e a bauxita – com 3% dos valores arrecadados.
As taxas de CFEM variam de acordo com o tipo de minério. Rochas, areias, cascalhos, saibros e demais substâncias minerais quando destinadas ao uso imediato na construção civil, rochas ornamentais, águas minerais e termais pagam 1% de CFEM. O Ouro paga 1,5% de Compensação Financeira; diamante e demais substâncias minerais, 2% de CFEM; bauxita, manganês, nióbio e sal-gema, 3%; e, por fim, para extração de ferro deve ser pago 3,5 % de Compensação Financeira. A CFEM do ferro, por exemplo, foi equivalente a R$ 5 bilhões em 2023.
A CFEM está ligada à mineração e, em especial, a grande mineração industrial, que é operacionalizada por empresas que atuam no Brasil, mas, em geral, controladas por grandes corporações transnacionais que extraem recursos em volumes vultuosos para abastecer mercados globais de minérios.
Do ponto de vista da classificação da CFEM a CFEM não é tributo, não é imposto, não é taxa e não é contribuição. Ela é uma receita patrimonial originária decorrente da participação do resultado da exploração de um bem da União .
A Constituição Federal de 1988 assegura o direito de propriedade da União sobre os recursos minerais, e garantiu que sua exploração pudesse ser concedida a outros desde que fosse realizado o pagamento de uma compensação financeira.
Como o recurso é arrecadado pelo Estado brasileiro, pois os minerais são bens da União, deveria caber à sociedade o debate sobre a destinação do seu uso. A maior parte da CFEM fica nos municípios, 60%.No entanto, em muitas cidades mineradas os prefeitos usam a CFEM para fins eleitoreiros, como se fosse deles, e não da sociedade. Considerando ainda o fato de que em outubro desse ano os brasileiros vão escolher seus representantes para os cargos municipais, o debate sobre o uso adequado da CFEM é ainda mais importante e deve ser considerado na escolha dos candidatos, sobretudo nos municípios que mais arrecadam CFEM
Utilização da CFEM
Depois de paga, a compensação financeira é dividida entre União, estados e municípios. A arrecadação total da Cfem é distribuída 60% para os Municípios produtores, 15% para o Estado produtor, 15% para os Municípios afetados e 10% para a União. Apenas oito cidades brasileiras, três no Pará e cinco em Minas Gerais, representam juntas 57% da arrecadação de CFEM do país.
Os municípios de Parauapebas e Canaã dos Carajás no Pará recolheram juntos, em 2022, quase 35% do valor total de CFEM do país. Já as cidades mineiras de Conceição do Mato Dentro, Itabirito, Mariana, São Gonçalo do Rio Abaixo, Itabira, Congonhas e Nova Lima, arrecadaram juntas 44% da CFEM no ano passado.
De acordo com o professor do Departamento de Engenharia de Produção, e do Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez, é importante atentar para a destinação dos recursos arrecadados pela CFEM, pois a compensação financeira surge exatamente com esse intuito: ao retirar uma riqueza do solo, é preciso compensar a perda dessa fonte de riqueza – que irá esgotar – por outra. A CFEM não é um pagamento pelo direito de extrair uma riqueza, e nem uma compensação ambiental. O pagamento de CFEM visa a substituição de um capital mineral por um capital monetário, proporcionando às pessoas que vivem em territórios cujos recursos minerais serão explorados – geralmente até o esgotamento – uma nova fonte de renda.
“Os minerais são bens finitos, por isso, é preciso garantir que os recursos da CFEM sejam investidos em atividades econômicas diversificadas – independente da atividade mineraria – que irão gerar renda futura para as comunidades desses territórios,” avalia Bruno Milanez.
Bruno Milanez destacou ainda que a CFEM pertence ao Governo Federal, no entanto, o governo optou em distribuir os recursos de forma que a maior parte fosse para os municípios – 60% da compensação financeira – logo, os gestores municipais devem compreender a importância em gerir bem esses recursos, e a sociedade deve monitorar aonde está indo o orçamento. “Considerando a proximidade das eleições para prefeitos e vereadores em 2024, é importante, sobretudo nos municípios que mais arrecadam CFEM, saber, antes de votar, como os candidatos pretendem usar esses recursos do orçamento,” avaliou.
De Olho na CFEM
Foi com o intuito de ajudar a responder de que forma são utilizados os recursos da mineração arrecadados pelas prefeituras, e se eles estão servindo para construir um modelo de desenvolvimento que não dependa da exploração mineral, que surgiu o De olho na CFEM. O projeto é uma iniciativa do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, em conjunto com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e o Grupo de Pesquisa e Extensão Política Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS), Laboratório de Contas Regionais da Amazônia (LACAM/Unifesspa) e a Justiça nos Trilhos (JNT).
De acordo com Bruno Milanez, que é um dos coordenadores do projeto De olho na CFEM, a iniciativa concentra seus esforços em três eixos principais: 1) Avaliar o grau de transparência na comunicação do uso da CFEM pelos municípios; 2) Analisar, por meio dos dados da transparência disponibilizados pelas prefeituras como os recursos da compensação financeira foram utilizados; 3) Estimular a criação de instrumentos de participação e controle social sobre os usos da CFEM nos respectivos municípios.
Os municípios avaliados são: Marabá (PA), Canaã dos Carajás (PA), Parauapebas (PA), Açailândia (MA), Conceição do Mato Dentro (MG), Itabira (MG), Congonhas (MG), Catalão (GO), Alto Horizonte (GO), Ouvidor (GO), Alto Alegre do Pindaré (MA), Itapecuru Mirim (MA) e, recentemente, o projeto de Olho na CFEM passou a analisar também os dados do município de Candiota (RS).
Alguns desses municípios são os que mais arrecadam CFEM, como Canaã dos Carajás e Parauapebas, no Pará, entretanto, a inclusão na lista não obedeceu a esse critério, por isso, nem todos da lista são os maiores arrecadadores de CFEM.
Larissa Alves doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também coordenadora do projeto De Olho na CFEM, destacou que, após a equipe avaliar os portais de transparência das prefeituras, cruzar os dados, e sintetizá-los, são produzidas cartilhas e algumas notas técnicas para publicação.
Essas notas têm duas dimensões – uma tem o intuito de avaliar e publicizar o nível de transparência dos municípios avaliados, com foco na CFEM. “Nesse caso, nossa equipe analisa como as prefeituras têm disponibilizado os recursos e despesas nos seus portais, se é possível fazer download, se os dados são concretos, etc. Veja aqui nota técnica mais recente que avalia a evolução da transparência das prefeituras que recebem CFEM.
A outra dimensão do estudo irá verificar o montante de recursos de CFEM que cada município arrecadou, e como esses recursos foram utilizados pelos municípios em cada área do orçamento – saúde, educação, entre outros,” aponta.
Larissa Alves observa que alguns municípios recebem compensação financeira bilionária, todavia, conforme apontam os dados, há prefeituras que utilizam parte significativa desses recursos para pavimentação de estradas e vias, e, em certos casos, para fins que podem ser associados a objetivos eleitoreiros.
Falta de transparência
A falta de transparência de dados das prefeituras sobre a destinação dos recursos da CFEM é um dos entraves relatados pelos integrantes do projeto De Olho na CFEM. Segundo Bruno Milanez, é possível verificar, em muitos municípios, o montante de recursos da CFEM que chegam ao caixa único, e como são utilizados em diferentes projetos, “entretanto, em muitos casos, o orçamento é transformado em uma espécie de caixa preta, justamente para que não sejam acessados,” relatou.
O motivo, aponta Bruno Milanez, é que muitas prefeituras não estão preparadas e/ou interessadas em informar sobre como os recursos estão sendo utilizados, e, tampouco se eles serão revertidos em redução da dependência econômica dos municípios afetados pela mineração.
Para Larissa Alves, a falta de debate sobre o uso da CFEM está relacionada ao desconhecimento da sociedade sobre a importância de debater a destinação de recursos públicos. Além disso, o tema é bastante complexo, aliado à inconsistência de dados.
É importante lembrar, destaca Bruno Milanez, que não cabe ao projeto De Olho na CFEM apontar a destinação adequada para os recursos arrecadados, “cabe a nós fomentarmos o debate sobre a importância de a sociedade participar da tomada de decisão sobre o uso desses recursos, de modo que a CFEM possa cumprir seu papel”, ressaltou.
Avanços no debate
Apesar dos entraves, os integrantes do projeto De Olho na CFEM avaliam avanços na transparência e conscientização da população sobre o uso dos recursos.
Bruno Milanez citou o município de Congonhas, em Minas Gerais; e Itapecuru, no Maranhão, locais em que a equipe do projeto De Olho na CFEM promoveu uma oficina entre gestores, instituições, universidades e moradores. “Os atores sociais se envolveram na discussão e o debate ganhou força e profundidade sobre o melhor uso da CFEM,” afirma.
Ainda de acordo com o coordenador do projeto, alguns movimentos da sociedade têm procurado o De Olho na CFEM para fomentar o debate com as comunidades. Municípios do Vale do Jequitinhonha, por exemplo, estão preocupados com a compensação financeira da extração de lítio, e querem discutir sobre como monitorar e utilizar a CFEM.
Para os integrantes do projeto De Olho na CFEM, a ideia é que os municípios comecem a criar normativas que contribuam para criar mais transparência sobre a arrecadação e uso da CFEM, e, assim, toda a sociedade possa debater e apontar onde os recursos devem ser usados.
Tentativa de Golpe
Recentemente, a equipe De olho na CFEM foi alertada sobre atividades suspeitas envolvendo pessoas que se fazem passar por integrantes do projeto. Essas pessoas estariam solicitando informações às prefeituras por meio de um endereço de e-mail falso, identificado como “olhonacfem@yahoo.com”. Uma prefeitura do estado do Amazonas foi vítima dessa tentativa de golpe.
O projeto “De Olho na CFEM” é uma iniciativa do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração. Todo e qualquer contato oficial será realizado única e exclusivamente através do e-mail oficial do Comitê, que é secretaria@emdefesadosterritorios.org.
Ressalta-se ainda que as prefeituras devem ter a máxima cautela ao receberem solicitações de informações por e-mail, especialmente se originarem do endereço citado: olhonacfem@yahoo.com”. Recomendamos ainda que, caso recebam alguma comunicação suspeita, verifiquem imediatamente a autenticidade entrando em contato com o e-mail oficial do Comitê.
Por Marci Hences, especial para o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração