É sabido por muitos que atuam na pauta da mineração que o antigo Departamento de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração (ANM) está há muitos anos passando por um sucateamento profundo. Desde as discussões de reformulação do Código de Minas – onde estava prevista a criação da agência – que a realidade do órgão veio à tona nas audiências públicas, como a compra de resmas de papel A4 por funcionários.
Uma das preocupações colocadas nas discussões que foram finalizadas com a Medida Provisória 790 de 25 de Julho de 2017, de relatoria do Deputado Federal Leonardo Quintão (PMDB/MG), era que a proposição posta em debate realizava somente a “troca de placa” do órgão se não ocorresse uma estruturação para que a ANM pudesse avançar nos processos de monitoramento e fiscalização das atividades de mineração. Mesmo tendo ocorrido o primeiro rompimento de Barragem de magnitude imensurável, da SAMARCO/VALE/BHP Billiton, não se levou em consideração a preocupação apontada por diversos setores sobre a necessidade do investimento em monitoramento e fiscalização da segurança de barragens.
A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta segunda-feira (16) o Projeto de Lei 4.370/2020 de autoria do Deputado Federal Zé Silva (Solidariedade/MG), que propõe a retirada de 3% da receita da ANM advinda da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), para ser destinada aos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) por meio da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater).
Segundo os dados obtidos no painel do orçamento federal, os valores recebidos de CFEM que vão para ANM, possuem uma fatia significativa na destinação da administração interna da agência – para fazer o órgão funcionaro. Enquanto que os recursos destinados a Outorga, Fiscalização e Regulação da Pesquisa e Produção Mineral, não representam 20% da destinação da receita recebida pela ANM a partir da fonte. É visivelmente escandalosa a disparidade da destinação dos recursos no ano de 2021, como demonstra o gráfico 1.
Como vimos na imagem anterior, se mais de 70% do recurso é utilizado para manutenção da máquina administrativa, o corte seria diretamente sobre a parte mais sensível que a mineração no país necessita superar – a fiscalização! Mesmo havendo essa disparidade de prioridades para destinação dos recursos, quando olhamos a origem financeira de cada atividade da ANM, percebe-se que 100% do recurso utilizado para fiscalização é advindo da CFEM, como demonstra o gráfico 2.
A CFEM é um pagamento que decorre da natureza patrimonial do minério. A Constituição Federal definiu que os recursos minerais são bens da União e a legislação estabeleceu que a exploração dos recursos minerais poderia ser concedida a empresas mineradoras mediante o pagamento de uma compensação financeira. Uma parte da riqueza relativa a um patrimônio que vai se esgotando na medida em que é explorado. Como a origem da CFEM é a extração de um recurso finito, o ideal é que ela venha a garantir outras fontes de renda para os municípios depois que o minério acabar. Por esse motivo, é importante que, ao menos parte dela, seja dedicada à diversificação econômica e à redução da minero-dependência. Usar a CFEM para manter a burocracia da ANM, ou mesmo a fiscalização, é um desvio da função original desse recurso. Mas, reduzir os recursos de monitoramento e fiscalização de barragens sem garantir outra fonte substituta mostra-se uma iniciativa temerária.
Não somos contra ocorrer um maior investimento na Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), para beneficiar diretamente os pequenos produtores e não ao agronegócio! Na verdade, esse seria um uso mais adequado para a CFEM do que a manutenção da ANM, mas esse investimento não pode ser baseado em maior insegurança.
A política do “cobertor curto” é uma decisão política de governos que optaram por se submeter à pressão das empresas mineradoras. Há outras propostas para financiamento da ANM, para citar algumas: o aumento do percentual da arrecadação da CFEM, o fim da Lei Kandir, o combate a evasão e elisão de divisas que as mineradoras praticam, a tributação sobre lucros e dividendos das mineradoras e a redução dos subsídios que recebem para atuar na Amazônia que permite uma isenção de mais de 75% do seu imposto de renda.
Se essas propostas parecem não factíveis, isso se deve ao cenário de entrega dos bens minerais para o capital financeiro e à subserviência de muitos parlamentares brasileiros às mineradoras. Outro caminho possível seria a regulamentação do parágrafo 6º, do Artigo 2º, da Lei 13.540, de dezembro de 2017, que trata da destinação de 20% do recurso da CFEM de municípios e estados minerados para atividades relativas à diversificação econômica, ao desenvolvimento mineral sustentável e ao desenvolvimento científico e tecnológico. Esses recursos poderiam estar sendo destinados à ATER e outras iniciativas de geração de emprego e renda, ao invés de servirem para asfaltamento de ruas ou manutenção das máquinas municipais.
O relator Deputado Alceu Moreira (MDB/RS), em seu parecer, tentou dialogar com a regulamentação da Lei 13.540, dizendo que “O objetivo da proposição é oportuno e de interesse público, pois visa a dinamizar e diversificar a economia local e reduzir sua dependência da atividade minerária, por meio do fortalecimento dos serviços de assistência técnica e extensão rural, essenciais para o desenvolvimento, o aprimoramento e a sustentabilidade das atividades rurais!”, porém, a saída apresentada está totalmente equivocada, uma vez que aumenta a insegurança dessas mesmas comunidades.
Segundo dados apresentados pelo II RELATÓRIO ANUAL DE SEGURANÇA DE BARRAGENS DE MINERAÇÃO 2020
Não nos parece acertada a retirada destes recursos da ANM, se vemos o cenário devastador e doentio das comunidades que estão abaixo das mais de duzentas barragens de rejeitos de mineração que se encontram com o CRI alto e médio e, quase 85% das barragens com dano potencial alto ou médio. Em comparação, a Barragem B1 da Vale que rompeu em Brumadinho, no ano de 2019, possuía um DPA Alto, ou seja, corremos o risco de 60% de ocorrer novos rompimentos com danos igual ou superior ao ocorrido em 2019.
Com tantas mortes, adoecimentos mentais com riscos de rompimentos e danos ao meio ambiente que foram causados pelos últimos acontecimentos causados por rompimentos de barragens de rejeitos de mineração, é necessário fortalecer e ampliar a fiscalização das mesmas, baseada em auditorias realmente independentes das mineradoras, bem como construir uma luta entorno da vinculação da segurança das comunidades como premissa para instalação de qualquer empreendimento minerário.
Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração