Carta entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia
Nós, lideranças dos povos Guarani, Guarani Mbya, Ava Guarani, Kaingang e Xokleng, dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, manifestamos nosso repúdio ao Projeto de Lei 191/2020, levado à Câmara pelo governo de Jair Bolsonaro e assinado pelos ministros Bento Albuquerque e Sérgio Moro.
Consideramos que esse projeto de lei, que abre nossas terras à exploração e aos interesses econômicos dos ricos e poderosos, significa uma declaração de guerra aos povos indígenas do Brasil. É um projeto anti-indígena que esconde, sob uma falsa ideia de “liberdade”, uma licença para aqueles que sempre invadiram nossas terras, derrubaram nossas matas, massacraram nossos povos e, agora, buscam devastar e se apropriar do pouco que ainda resta de nossos territórios originários.
Não aceitamos mais esta mentira do governo Bolsonaro e de seus ministros – entre eles, Sergio Moro, que finge que não existimos, mas assina nossa sentença de morte. Liberdade, para nós, é usufruir de nosso território tradicional sem mineração, sem hidrelétricas e sem agronegócio, em comunhão com os rios, as matas e os animais.
Em muitas regiões, como a nossa, a situação é agravada pela demora do Estado brasileiro em cumprir seu dever constitucional de demarcar nossas terras, o que nos causa grande sofrimento e até obriga muitos de nós a viver em acampamentos, às margens das terras que nos pertencem e pelas quais nunca deixamos de lutar.
Para os ruralistas, as mineradoras, as empreiteiras e seus serviçais, como Jair Bolsonaro, mesmo o pouco que temos é demais: seu objetivo é acabar com as terras e com os povos indígenas, e com o pouco de mata que ainda nos resta.
O presidente da República Jair Bolsonaro definiu este projeto como um “sonho”. O que Bolsonaro chama de “sonho” é, para nós, o pior dos pesadelos.
E não se enganem aqueles que pensam que nosso destino não afeta a todos: vivemos sob o mesmo céu, respiramos o mesmo ar e bebemos a mesma água. A devastação das terras indígenas por mineradoras, a destruição dos rios por hidrelétricas e a redução da biodiversidade pelos transgênicos terá consequências terríveis para o meio ambiente e para a vida de todos, não só a nossa.
O pacote de maldades reunido no PL 191/2020 não é o único ataque do governo Bolsonaro à Constituição Federal e aos nossos direitos originários. Desde que assumiram seus postos no governo federal, Jair Bolsonaro e Sergio Moro transformaram a Funai em um escritório de ruralistas e fundamentalistas religiosos.
Processos de demarcação de terras indígenas já paralisados estão retrocedendo sem justificativa. Ao invés de nos defender na Justiça, a Funai alega “falta de interesse” e abandona processos judiciais que discutem nossas terras. A cada dia, o governo Bolsonaro rasga a Constituição e fomenta ataques contra nossos territórios e nossas lideranças.
Tudo isso é feito com base na tese do marco temporal, uma invenção dos ruralistas para mudar o sentido da Constituição e legitimar o roubo das nossas terras. Enquanto o marco temporal legitima as invasões ocorridas no passado, o PL 191 busca legalizar as invasões de nossos territórios no presente e no futuro.
O PL 191/2020 não prevê consulta a nós, povos indígenas, para nos perguntar se queremos ou não esses empreendimentos em nossas terras – não temos nem sequer o direito de dizer NÃO. A tutela e o autoritarismo, superados com a Constituição de 1988, agora retornam com força para tentar calar a nossa voz. Essa postura afronta e desrespeita totalmente a convenção 169 da OIT.
Por isso, pedimos aos parlamentares e especialmente a você, Rodrigo Maia, que honre o compromisso assumido conosco e com os demais povos de outras regiões e devolva o PL 191/2020 ao Poder Executivo, como você disse mais de uma vez que faria. Pedimos que não permita mais esse ataque contra nossos direitos originários.
Esse PL é um projeto de morte para os povos indígenas. Por isso, Rodrigo Maia, pedimos a você: não seja cúmplice do genocídio dos povos indígenas do Brasil.
Nosso futuro, hoje, está em suas mãos. Esperamos que elas não se sujem com nosso sangue.
12 de Fevereiro de 2020.
Fonte: Movimento Nacional Indígena
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