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Série de reportagem: A Falsa promessa dos minérios de transição – Sustentável para quem?

 Substituir motores à combustão por elétricos; combustíveis fósseis por fontes renováveis. A transição energética é considerada um dos pilares da estratégia global de enfrentamento às mudanças climáticas, que busca prolongar as condições para sobrevivência humana na Terra.

A urgência em reduzir as emissões de gases de efeito estufa esconde, por outro lado, interesses privados e perguntas para as quais os líderes mundiais e as corporações ainda não apresentaram respostas. Por exemplo: à medida que essa suposta transição avança, cresce a demanda por lítio e outros minérios usados na fabricação de baterias, painéis solares e turbinas eólicas. A que custo e em que condições essas matérias-primas serão obtidas? Como a população das regiões mineradas será afetada por essa “caça ao tesouro”?

Esta é a primeira reportagem de uma série do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração que descreve a corrida pelos minérios considerados estratégicos para a transição energética. O objetivo é fornecer informações confiáveis, não atreladas a interesses corporativos, para estimular o debate sobre o tema, em especial nas comunidades potencialmente atingidas.

A corrida já começou

Diante do consenso científico de que a crise climática já provoca efeitos preocupantes e precisa ser contida, Estados e organismos multilaterais passaram a estabelecer metas para substituir a geração de energia não renovável pela eletrificação do consumo. Trata-se de um novo senso comum, que tornou a transição energética uma das pautas centrais da agenda global no século XXI.

Cerca de 73% das emissões de gases de efeito estufa no planeta estão relacionadas ao consumo de energia, e a tendência não é de queda imediata. O Brasil, por exemplo, anunciou recentemente sua entrada na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep+), e planeja dobrar até 2050 sua produção de petróleo.

O único critério que costuma ser adotado pelas empresas privadas para definir uma energia como limpa é a descarbonização, ou seja, a redução das emissões de gás carbônico (CO2). Desconsideram-se, portanto, os danos causados às pessoas e à natureza durante a extração de minérios que servem como matéria-prima para tecnologias que possibilitem emitir menos carbono ao gerar energia.

“O termo transição energética foi inventado para substituir a palavra crise, no contexto da crise do petróleo de 1973. Em meio a um problema geopolítico, envolvendo o Oriente Médio, as empresas queriam desaparecer com essa palavra”, lembra o professor Márcio Cataia, do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A principal aposta, à época, era a energia nuclear, considerada mais limpa que o carvão ou o petróleo. “Foi uma jogada geopolítica: coloca-se o termo e coloniza-se a ideia de que estamos em um período de transição e que, quando ela for concluída, o mundo será melhor”, ressalta o pesquisador. “Porém, nunca houve uma transição, por exemplo, da geração de energia por meio do carvão, depois do petróleo, depois nuclear. As matrizes coexistem, e as não renováveis ainda são as mais usadas no mundo”.

O atual sentido de transição energética emerge em um contexto diferente dos anos 1970, como aponta o professor de Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Luciano Pereira Duarte Silva.

“A transição socioecológica já era defendida pelos movimentos sociais, e incluiria as questões energéticas. O que ocorreu foi que as empresas capturaram anseios e afetos legítimos da sociedade e consideraram apenas os termos energéticos, eliminando os demais elementos socioambientais envolvidos”, completa o professor, citando a crise de acumulação do capital que se observa desde os anos 2000. 

“O consumo global de energia nunca diminuiu. O que está se buscando é resolver esse problema sem repensar o consumo e as formas de apropriação da energia, mas sim, com base na valorização do capital”, analisa.

Os minérios considerados mais importantes para transição energética são lítio, níquel, cobalto, manganês, grafita, nióbio e minerais do grupo das terras raras – 17 elementos químicos de difícil extração usados para produção de catalisadores, supercondutores, baterias, fibras ópticas, entre outros. Cabe mencionar ainda o cobre, historicamente utilizado na produção de fios, cabos e ligas metálicas, que permanece indispensável para conduzir eletricidade.

O termo minerais críticos, quando usado para descrever esse conjunto, diz respeito à limitação das reservas e possíveis instabilidades no fornecimento em determinado país ou região; a conflitos relacionados às comunidades onde se inserem; e ao fato de serem de difícil substituição, considerando as tecnologias existentes.

O mais cobiçado da lista é o lítio, essencial para produção de baterias com maior autonomia e vida útil. Até 2030, conforme estimativas da consultoria Verified Market Research, a mineração de lítio deve movimentar cerca de US$ 5,4 bilhões por ano, o equivalente a R$ 27 bilhões.

O que faz desse minério tão valioso é sua capacidade de armazenar e liberar energia. “Há três lógicas de uso do lítio na estocagem de energia”, enumera o professor Duarte Silva. “A mobilidade energética, relacionada aos automóveis elétricos e equipamentos portáteis, como smartphones e notebooks; o uso em sistemas isolados de energia, como painéis solares, que não estão conectados à rede de energia e à noite precisam dessa energia estocada; e, por fim, por conta das mudanças climáticas, há possibilidade de ausência de sol ou vento em algum momento, e a estocagem em grandes baterias passa a ser fundamental para garantir a segurança energética”.

De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda por lítio cresceu 200% entre 2017 e 2022; por cobalto, 70%; e por níquel, 40%. Os três minérios estão entre os principais componentes de baterias – que também consomem cobre, manganês, grafita, silício, titânio, alumínio, nióbio, entre outros. Só em 2022, o mercado de minérios da transição energética movimentou o equivalente a R$ 1,6 trilhão.

A mesma AIE defende que, para se adequar ao que foi disposto no Acordo de Paris, o mundo precisaria triplicar o ritmo de instalação de células fotovoltaicas e turbinas eólicas até 2040, além de expandir 25 vezes as vendas anuais de carros elétricos.

 

Não se trata apenas de baterias. Para fabricar um carro elétrico, utiliza-se mais que o dobro de cobre e manganês de um automóvel convencional – além de elementos adicionais como grafita (cerca de 70 kg por veículo), níquel (50 kg), manganês (20 kg), cobalto (15 kg) e lítio (10 kg), segundo a AIE.

Quando o assunto é geração de energia, o aumento na demanda por minérios é ainda mais expressivo, na comparação com matrizes não renováveis.

O setor empresarial costuma usar termos como mineração “verde” ou “sustentável” para referir-se à extração de minerais críticos. No entanto, o mesmo minério que serve como componente de uma matriz energética de baixo carbono pode estar associado a danos ambientais e sociais ao ser extraído da natureza. Outra tática discursiva é enquadrar qualquer questionamento como “negacionismo climático”, como forma de interditar a discussão. Diante de propostas que visem repensar, coletivizar ou reduzir o consumo, entra em cena o “negacionismo econômico”.

“É evidente que as pessoas precisam se deslocar, por exemplo, mas é curioso que se discutam cada vez menos alternativas como o transporte público, coletivo. Ao se investir em carro elétrico, opta-se pela manutenção do modelo de transporte individual”, enfatiza o professor Márcio Cataia.

“A energia do sol e do vento é renovável, porém todos os sistemas técnicos para sua apropriação não são nada sustentáveis, especialmente o uso de lítio e terras raras”, acrescenta. “Além disso, painéis solares e usinas eólicas não estocam energia, diferentemente de uma hidrelétrica ou de uma montanha de carvão a ser queimado em uma termelétrica. Então, é certo que o mundo não irá migrar totalmente a sistemas como esses”, completa.

Segundo apuração do jornal britânico The Guardian, a Organização das Nações Unidas (ONU) deve lançar em fevereiro um relatório que estima que a extração de matérias-primas seja responsável por 60% dos impactos do aquecimento global, 40% da poluição do ar e mais de 90% do estresse hídrico e da perda de biodiversidade terrestre. O mesmo estudo prevê aumento de 60% na extração de matérias-primas, de maneira geral, até 2060. Diante desse cenário, a alternativa defendida pelas Nações Unidas seria otimizar o consumo de recursos. 

O relatório, conforme antecipado pelo The Guardian, conterá metas para reduzir a demanda por matérias-primas em setores como construção civil e transporte. Tal aposta iria de encontro aos objetivos da AIE: sob esse prisma, carros elétricos, que mantêm a lógica de transporte individual e requerem grande volume de minérios, seriam entendidos pela ONU como parte do problema, e não da solução.

No Brasil

Em 2021, o Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME) listou os “bens minerais importantes por sua aplicação em produtos de processos de alta tecnologia”, considerando a relevância das reservas nacionais. A lista inclui cobalto, cobre, estanho, grafita, metais do grupo platina, lítio, nióbio, níquel, silício, tálio, tântalo, terras raras, titânio, tungstênio, urânio e vanádio.

A transição energética deve ser uma das prioridades do Plano Nacional de Mineração (PNM) 2050, que estabelece diretrizes de longo prazo e aponta caminhos para a expansão do setor no país. O período de consulta pública  à minuta do PNM foi encerrado há mais de um ano. Com a mudança no Executivo Federal, o Ministério de Minas e Energia não deu continuidade ao processo.

A aposta na descarbonização foi formalizada pelo Executivo em setembro de 2022, no lançamento do Plano Nacional de Transição Energética Justa e Inclusiva, durante evento da ONU. O Brasil disse estar fazendo o “dever de casa” e propagandeou seu “potencial de produção de energia limpa” como forma de atrair investimentos estrangeiros.

O lítio, pelos motivos já citados, é considerado o carro-chefe pelo Ministério de Minas e Energia. O Brasil ocupa a 8ª posição em reservas e é o 5º maior produtor mundial. O objetivo da Secretaria Nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (SGM) é, por meio de novos projetos de extração, chegar em breve à 3ª posição

Com cerca de 70 mil toneladas, o Brasil não figura entre as maiores reservas mundiais de cobalto, usado em baterias recarregáveis, catalisadores e pigmentos. Não há extração no país desde 2017 – as principais minas se localizavam em Goiás e São Paulo. Cerca de 70% da produção mundial ocorre hoje na República Democrática do Congo.

O país africano também é um dos maiores produtores mundiais de cobre, atrás do Chile e do Peru. O metal, que no Brasil é extraído em maior proporção no Pará, em Goiás e na Bahia, serve como matéria-prima para painéis fotovoltaicos, usinas eólicas e carros elétricos.

Já o níquel, essencial para produção de sistema elétricos e tecnologias vinculadas ao hidrogênio verde, é extraído principalmente de depósitos em Goiás, Pará e Bahia. 

Hidrogênio verde é aquele obtido por meio da eletrólise da água – separação do oxigênio e do hidrogênio – com uso de fontes renováveis. O principal entrave à adoção dessa tecnologia em grande escala é o custo elevado do processo. A produção global de níquel se concentra principalmente na Ásia – Indonésia, Filipinas e Rússia. O Brasil ocupa a 8ª posição no ranking de países produtores.

No Pará, a extração de níquel está associada à expulsão de assentados da reforma agrária e a contaminação do rio Cateté, que banha terras indígenas Xikrin do Cateté e Kayapó. O projeto Onça Puma, da mineradora Vale, em Ourilândia do Norte (PA), foi suspenso diversas vezes pela Justiça e é alvo de disputas em tribunais superiores há mais de uma década. O tema será detalhado na 3ª reportagem desta série.

Quanto aos minerais de terras raras, cerca de 90% da produção global provém da China. Além da geração de energia, eles também são usados na indústria bélica e no beneficiamento de petróleo. O Brasil tem a 3ª maior reserva do mundo, mas a produção atual é ínfima (0,03% do total mundial). Estudos de viabilidade de mineração estão em execução em Minas Gerais, Goiás, Amazonas e Bahia. Um projeto de extração no planalto Poços de Caldas (MG) está em fase avançada e deve entrar em operação em 2026.

Diferentemente do Brasil, cuja atividade minerária é voltada para o mercado externo, a China proíbe a exportação de terras raras e das tecnologias usadas em sua extração e separação. A decisão visa proteger a indústria nacional, manter seu monopólio e prolongar a dependência de potências ocidentais como Estados Unidos e União Europeia.

De olho no sul global

Chile, Argentina e Bolívia compõem o chamado Triângulo do Lítio e concentram 53% dos recursos e 46% das reservas do minério já identificadas no mundo – reservas são recursos que podem ser legal e economicamente explorados. O processo de extração e purificação consome e contamina cerca de 140 mil litros de água doce por tonelada de lítio, o que vem sendo denunciado há anos por comunidades indígenas da região.

Dados do World Resources Institute apontam que ao menos 16% das minas e  depósitos de minerais críticos estão situados em zonas que já sofrem de alto estresse hídrico. No Salar do Atacama, no Chile, 65% das fontes de água locais já foram consumidas pela extração de lítio e cobre.

Ao perfurar as salinas, formam-se grandes piscinas com alta concentração de sal. A evaporação da água permite obter, entre outros minerais, sais de lítio, que passam por uma segunda etapa de evaporação. O processo completo dura entre 12 e 18 meses, até resultar no carbonato de lítio, pó branco usado como matéria-prima para produção de baterias, vidro e cerâmica. Este tipo de exploração acontece há quase 30 anos no Salar del Hombre Muerto, na Argentina, e há 40 no Salar do Atacama, no Chile.

“Nós temos o Triângulo do Lítio, que é necessário para a tecnologia. Temos as maiores reservas de petróleo, água doce, temos a Amazônia. É algo fora do comum”, disse há um ano a chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, Laura Richardson, referindo-se à América Latina. O Comando Sul é responsável pelo planejamento estadunidense de contingência, operações e cooperação de segurança na região. Naquele discurso, Richardson defendia que os EUA precisavam “proteger” o continente contra o avanço da China – 3º maior produtor de lítio do mundo, atrás do Chile e da Austrália.

Para atrair investimentos estrangeiros, é comum que países emergentes com grandes depósitos minerais flexibilizem seu arcabouço normativo, sob pretexto de “modernizar o ambiente de negócios”. Nesse contexto, legislações sobre temas ambientais e fundiários tendem a se tornar mais permissivas ao avanço das corporações.

Em junho de 2023, por exemplo, uma onda de protestos tomou as ruas de Jujuy, no norte da Argentina, contra a reforma da Constituição provincial promovida pelo governador Gerardo Morales. O texto inaugurou um novo capítulo de uma história antiga: a disputa pelas terras de uma das províncias com maiores reservas de lítio do país.

Além de limitar o direito de protesto, a reforma prevê fomento ao “aproveitamento produtivo de terras públicas”, o que foi interpretado como uma brecha para deslocar comunidades indígenas em prol de atividades extrativistas privadas e estrangeiras. “Isso vai implicar o avanço do saqueio, do desequilíbrio da Mãe Terra e da crise climática”, denunciou à época Néstor Jerez, porta-voz da comunidade indígena Ocloya, em Jujuy.

O caso argentino é ilustrativo do que ocorre em regiões com grandes reservas de minerais críticos. Ainda que a exploração não se limite ao sul global (América Latina, Ásia e África), é nos países periféricos que os impactos costumam ser mais drásticos. À voracidade das mineradoras, soma-se a desregulação das economias nacionais, quase sempre baseadas na exportação de commodities.

“O que o boom da transição energética trouxe de novo foi o crescimento do interesse pelo lítio, com a aparição de muitos projetos em todos os salares e pedidos de ampliação de projetos já existentes”, explica a pesquisadora argentina Andrea Izquierdo, doutora em Ciências Biológicas. “Esse boom está levando a um melhoramento da tecnologia e estudos de formas de exploração menos impactantes para o ambiente. Isso é ótimo, mas a velocidade com a qual isso [a extração] está crescendo é preocupante”.

Izquierdo explica por que discorda do uso de termos como “mineração sustentável”: “O que se pode buscar é uma atividade social e ambientalmente responsável, mas ainda assim estamos extraindo recursos não renováveis”, ressalta. “Ser ambiental e socialmente responsável em uma atividade extrativista industrial significaria priorizar medidas de mitigação, fiscalização e controle sobre interesses econômicos e produtivos. Infelizmente, isso não está ocorrendo”.

O debate sobre como vão ser administradas as reservas de lítio nos países do Triângulo ainda está em aberto, avalia o pesquisador chileno Axel Poque. Mestre em Ciências da Engenharia pela Pontifícia Universidade Católica de Valparaíso, ele pesquisa comunidades energéticas na América Latina e alternativas a grandes corporações. A Bolívia, por exemplo, anunciou a nacionalização do lítio a partir de 2008, mas ainda depende de parcerias e do financiamento de países como a China para sua extração e industrialização.

“Sinto que ainda falta uma discussão mais transversal com a sociedade sobre esses temas, envolvendo os pesquisadores e as comunidades. Hoje, predomina na maioria dos países latino-americanos uma lógica de curto prazo, uma visão de governos, e não de Estado”, observa Poque.

No Brasil, as reservas provadas de lítio são consideradas residuais, em comparação com o Triângulo do Lítio. Isso não significa que o país não seja objeto de cobiça internacional, ressalta o professor Márcio Cataia. Afinal, ainda não é possível saber o volume exato das reservas, porque as pesquisas estão apenas começando.

“Há uma questão fundamental que é o tamanho do território brasileiro e as todas as possibilidades que ele abriga”, observa o geógrafo. “Há um tempo, se dizia que o Brasil não tinha petróleo, simplesmente porque não havia investimento para procurar”.

 

A intensificação das pesquisas e abertura de novos polos de extração agravam, inevitavelmente, os danos socioambientais. Formações rochosas como o Vale do Jequitinhonha (MG) tendem a dificultar e encarecer a exploração de lítio, gerando maior volume de rejeitos.

Em outubro de 2023, Cleonice Pankararu, liderança indígena da Aldeia Cinta Vermelha Jundiba, em Araçuaí (MG), denunciou às Nações Unidas os primeiros impactos da extração de lítio sobre seu território. A instalação de barragens e redes de alta tensão sem consentimento dos indígenas desequilibra a biodiversidade, afeta o comportamento dos animais e já ameaça a sobrevivência dos Pankararu.

Os conflitos relacionados à transição energética, logicamente, não se resumem ao lítio. A corrida internacional por minérios críticos configura o que os pesquisadores Maristella Svampa e Breno Bringel chamam de colonialismo energético. Não à toa, os territórios-alvo de atividades extrativistas são denominados “zonas de sacrifício”. 

O exemplo mais brutal é o da República Democrática do Congo. Conforme mencionado, o país produz 70% do cobalto do planeta, matéria-prima para fabricação de baterias. A exploração desse e outros minérios críticos implica em trabalho infantil, deslocamento forçado, miséria e exposição das comunidades a substâncias tóxicas. “Nosso cotidiano é sustentado por uma catástrofe humana e ambiental na República Democrática do Congo” sintetiza o pesquisador Siddharth Kara em seu livro Cobalt red: How the blood of the Congo powers our lives [“Vermelho cobalto: Como o sangue da República Democrática do Congo alimenta nossas vidas”, em tradução livre].

Parte das minas são controladas por grupos rebeldes armados, e os lucros da extração de minerais críticos financiam sua atuação ilegal. Esses grupos podem ser desde pequenas milícias até organizações com apoio de redes internacionais, que aliciam e superexploram trabalhadores à margem de qualquer legislação. O país é comumente referenciado como Estado falido, devido à sua incapacidade de reprimir a criminalidade e prover serviços públicos básicos e segurança à população civil.

Embora o cenário brasileiro não se equipare ao da República Democrática do Congo, embates relacionados à extração de minérios críticos ocorrem neste momento em diferentes estados. Conflitos entre mineradoras e comunidades locais, prejuízos socioambientais decorrentes da extração e exemplos de resistência da sociedade civil serão mencionados ao longo desta série.

A próxima reportagem apresentará um raio x das empresas que lideram a produção dos minérios para transição energética no Brasil e os interesses por trás da Frente Parlamentar da “Mineração Sustentável”. 

Referências

Bringel, Breno e Svampa, Maristella. Del ‘Consenso de los Commodities’ al ‘Consenso de la Descarbonización’. Nueva Sociedad, jul.-ago. 2023. link

Institute for Energy Research. The Environmental Impact of Lithium Batteries, nov. 2020. link

Lakshman, Shivani. Mining Could Strain Water Supplies in Stressed Regions. World Resources Institute, jan. 2024. link

Cabello, José. Reservas, recursos y exploración de litio en salares del norte de Chile. Andean geology, 2022. https://dx.doi.org/10.5027/andgeov49n2-3444

Ministerio de Desarrollo Productivo de la República Argentina. Secretaría de Minería de la Nación. Informe Litio. Out. 2021. link

Fernanda Paixão é jornalista internacional com foco na América Latina e direitos humanos.

Também é tradutora de espanhol/português do Instituto Internacional de Planejamento Educacional para a América Latina e o Caribe da Unesco. Durante três anos, foi correspondente da Argentina para o portal de notícias Brasil de Fato.

Daniel Giovanaz é repórter e produz matérias especiais para o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração.

Jornalista e mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Trabalhou por cinco anos no portal Brasil de Fato, como repórter, editor e correspondente internacional. Autor dos livros “O oligopólio da RBS” (Insular, 2017) e “Dossiê Lava Jato: um ano de cobertura crítica” (Outras Expressões, 2018).

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