O Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil, do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, lança o Relatório “Colapso Maceió o desastre da Braskem e o apagamento das violações”.
O relatório apresenta a partir de diferentes perspectivas, da fala dos atingidos e de fotos, o desastre de grandes proporções causado pela empresa Braskem na região urbana de Maceió, Alagoas. O desastre soma-se a outros do setor mineral, que se tornaram eventos recorrentes no Brasil nos últimos anos, como os desastres provocados pela Samarco/Vale/BHP Billiton, em 2015, pela Hydro, em 2018, e pela Vale, em 2019.
A partir da exploração irresponsável da sal-gema na região de Maceió, a Braskem provocou o afundamento de cinco bairros, Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Mutange, de parte de Farol, e o isolamento social de parte da cidade, em áreas como de Flexal de Cima, Flexal de Baixo e da rua Marquês de Abrantes. Como consequência, ao menos, 57 mil pessoas foram forçadas a deixarem suas casas e 4.500 empreendedores com comércio de pequeno e médio portes nos bairros afetados tiveram seus estabelecimentos fechados. Os serviços de trens, Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) e ônibus, que faziam linha em trechos dos bairros afetados, foram suspensos por tempo indeterminado, afetando a mobilidade de ao menos 12 mil pessoas. Outro problema tem sido o crescimento da especulação imobiliária na cidade de Maceió frente à tragédia. Com a menor oferta de imóveis e a circulação do dinheiro da compensação o mercado imobiliário da cidade aqueceu, elevando os preços dos imóveis e vulnerabilizando ainda mais os moradores da cidade, em especial os mais pobres.
Ademais, a violação do direito à memória é um elemento central para pensar os desastres em geral, e o da Braskem em específico. O processo de desterritorialização vivido pelos moradores dos bairros afetados em Maceió expõe como as disputas entre a empresa e os atingidos estão além das espacialidades físicas, das decisões jurídicas e da (des)apropriação das áreas. Nesse sentido, como pode ser observado nos textos, a arte torna-se um elemento central na expressão da memória perdida.
Os afetados pela Braskem são designados na publicação como “refugiados ambientais” e “deslocados ambientais”, evidenciando o sistemático processo de violação de direitos fundamentais, como o direito à cidade e o direito à moradia digna. Além disso, o deslocamento das famílias e o processo de indenização são cercados de reclamações e denúncias envolvendo o “valor irrisório das indenizações”, a “falta de diálogo entre os órgãos e a população”, “a lentidão nas negociações”, “o assédio da empresa”, a “dificuldade de reconhecimento como atingido” etc.
A ausência dos afetados nas negociações dos acordos estabelecidos vem revitimizando, os atingidos e atingidas. Diferentemente dos desastres nas bacias dos rios Doce e Paraoapeba na região Sudeste brasileira, a população atingida em Maceió não conta com o direito a uma assessoria técnica independente na construção das condições necessárias à efetiva participação das comunidades nos processos decisórios de reparação e na efetivação de seus direitos. A ausência das condições para participação dos atingidos aprofunda a vulnerabilidade e a assimetria de poder na relação com a corporação. Passados dois anos do acordo firmado em 2020, que definiu o formato de pagamento das indenizações, muitos atingidos o consideram um instrumento jurídico falho, onde persistem as violências contra as vítimas.
Como afirma uma pessoa atingida: “[…] o Acordo não conseguiu cobrir tudo que precisava cobrir, porque ele deixou o morador em uma negociação direta com a grande mineradora, sem poder nenhum. Eu nunca vi, em lugar nenhum, você vender sua casa e o comprador dizer quanto vale. Eu nunca vi um comprador obrigar a gente sair da nossa casa, dar R$ 1.000,00 de aluguel, independentemente de onde você estava morando e ligar quando ele quiser para você, a hora que ele quiser, o tempo que ele quiser. Nesse ponto de vista, nós moradores ficamos fragilizados, descobertos e impotentes. E esse impacto nas nossas vidas, mais impacto além do impacto propriamente dito, ele nos deixa doentes”. Ao passa que outro atingido diz: “O Acordo não foi participativo com a população, foi acordo entre a empresa e o Estado, Ministério Público. Foram eles que determinaram, essa é a palavra, determinaram que fosse daquela forma. Não teve participação da população, a população ficou “livre”, mas não podia falar (…) Era para as autoridades ficarem com a gente, brigarem pela gente e isso não aconteceu. Foi Acordo entre eles, a população ficou de fora, só teve o prejuízo”.
Por fim, os textos não deixam de apresentar uma perspectiva histórica dos problemas da exploração de sal-gema na cidade de Maceió, resgatando o início da exploração em 1970 pela Salgema Indústrias Químicas S. A. (atual Braskem), no bairro Pontal da Barra durante a ditadura civil-militar-empresarial no Brasil, destacando o autoritarismo na implantação e no processo de localização do empreendimento. Há registros em relatórios oficiais da década de 1980 em que se fala que a localização da indústria é inconveniente à segurança da população de Maceió. Logo, os problemas com a exploração de sal-gema na cidade não são novos e o empreendimento é contestado desde a sua implementação, indicando que todo desastres possuiu uma história prévia que evidencia as violações cotidianas e acumulativas do setor mineral que marca o tempo e o espaço.
A publicação é dedicada às pessoas e às famílias atingidas pela Braskem, sendo um instrumento para que suas histórias e realidades sejam cada vez mais conhecidas, para que sirvam de alerta para os potenciais impactos da exploração de sal-gema e da mineração em outras localidades.
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