Problemas na transparência, gestão de riscos e controles internos da Agência Nacional de Mineração impactam no planejamento, regulação e fiscalização do setor minerário
A Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão responsável por fiscalizar mineradoras e garantir a segurança de barragens no país, como as que romperam em Mariana em 2015 e Brumadinho (MG) em 2019, é uma das instituições federais mais exposta à corrupção e à fraude. Os dados foram apontados por um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU), concluído em junho de 2022 e encaminhado ao Congresso Nacional, e recentemente, ao coordenador da equipe de transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).
Para realizar a pesquisa, auditores do TCU analisaram a existência de mecanismos internos de prevenção e combate a irregularidades em cerca de 300 órgãos federais. O estudo, desenvolvido sob a relatoria da ministra do TCU, Ana Arraes, elaborou uma Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal. (Veja aqui o relatório do TCU).
O relatório aponta 29 áreas – selecionadas pelo Tribunal de Contas da União, e analisadas nos últimos cinco anos (2018 a 2022) – que apresentam alto risco, por estarem vulneráveis à fraude, ao desperdício, abuso de autoridade, má gestão ou que precisam de mudanças profundas e urgentes para que os objetivos das políticas públicas possam ser cumpridos.
A Agência Nacional de Mineração (ANM), combina poucos aparatos de combate a irregularidades e um elevado poder de regulação sobre um setor com grande impacto na balança comercial do país. Essa junção de aspectos, segundo o estudo do TCU, aumenta o risco de comprometimento da independência decisória da agência.
Por conta de todos esses fatores, a ANM aparece em segundo lugar na lista de órgãos que possuem alto risco de desenvolver corrupção e fraude, e fica atrás apenas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A Agência Nacional de Mineração deve planejar e fiscalizar todas as atividades de exploração mineral. Para isso, deve realizar auditorias em barragens e analisar laudos de estabilidade apresentados pelas mineradoras, como o que atestou a segurança da estrutura de Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG) no final de 2018. Porém, por falta de pessoal, infraestrutura precária, e falta de orçamento, a ANM depende de inspeções encomendadas e pagas pelas próprias empresas mineradoras.
O estudo do TCU, entre outras pesquisas sobre o tema, como o estudo inédito da Transparência Internacional-Brasil, denominado de Atlas de Clima e Corrupção (leia aqui), lançado durante a Conferência do Clima da ONU, no dia 11 de novembro, no Egito, comprovam como a corrupção viabiliza crimes ambientais, impedem ações contra a mudança climática, e precariza o alcance de ações do Estado aos eventos extremos, como a falha da Pilha Cachoeirinha, da Vallourec, em janeiro de 2022.
O estudo destaca que o setor de mineração tem um histórico de captura regulatória e influência indevida de empresas associadas à mineração. As práticas de corrupção e abuso de poder incluem atividades de lobby ilegítimas, suborno, desvio de recursos, financiamento legal e ilegal de campanhas, e situações de conflitos de interesses, como funcionários que saem das mineradoras para assumir posições de comando em órgãos responsáveis pela regulação das mesmas empresas. O Atlas de Clima e Corrupção destaca que nos últimos anos, diversas diretorias da ANM, entre outras que fiscalizam o setor minerário, foram chefiadas por ex-funcionários da mineradora Vale.
O documento também aponta a relação entre funcionários de órgãos públicos responsáveis pela aprovação técnica e ambiental de empreendimentos minerários e interesses em empresas do setor.
Essas ações podem levar agentes públicos, que devem considerar o interesse da sociedade, como sustentabilidade e os direitos das comunidades afetadas, a priorizar os interesses do setor privado. O documento aponta que é em meio a essa confusão de interesses e captura regulatória que ocorre a nova corrida pelo ouro na Amazônia, com aumento vertiginoso nos últimos anos de invasões de terras indígenas.
A exploração econômica em terras indígenas, com a legalização do garimpo em áreas não permitidas tem sido estimulada por representantes do Poder Legislativo e do Executivo. Um exemplo de como o conflito de interesses afeta o interesse público, e incentiva a prática de crimes é o Projeto de Lei (PL) 191/2020 que autoriza a mineração em terras indígenas. O financiamento de campanhas e de políticos por pessoas ligadas à mineração também tem o objetivo de conseguir a aprovação do PL 191/2020.
Como é feito o estudo que aponta fraudes
O TCU avaliou o funcionamento de 287 instituições ligadas ao Poder Executivo Federal, como Banco do Brasil, Petrobras, Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Para determinar o risco de exposição a irregularidades, os auditores utilizaram um modelo acadêmico chamado Triângulo da Fraude de Donald Cressey, ele estabelece que três condições estão presentes na ocorrência de fraude: oportunidade, racionalização e motivação. Sendo assim, instituições que não tem um sistema elaborado de prevenção, identificação e punição de irregularidades seriam mais vulneráveis à corrupção.
Falhas apontadas pelo TCU na Agência Nacional de Mineração
Em 2021, a agência contava com apenas 38 servidores para a fiscalização de 911 barragens, conforme o III Relatório Anual de Segurança de Barragens de Mineração de 2021 (ANM/dez/2021). Por falta de pessoal, a ANM depende de laudos de estabilidade de barragens feitos por empresas contratadas pelas próprias mineradoras interessadas em ter barragens e minas em atividade. Além da insuficiência de recursos humanos, há insuficiência de materiais de tecnologia da informação.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, a insuficiência de recursos destinados ao principal órgão regulador da atividade minerária no país afetou ainda mais o monitoramento de barragens de rejeitos, a arrecadação de tributos e o combate ao garimpo ilegal. Em 2021, foram destinados pelo Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) R$61,4 milhões para a ANM, recurso 8,9% menor que o destinado em 2020, que foi de R$67,5 milhões. Todavia, o orçamento necessário para o desempenho adequado das atividades da agência, é de no mínimo R$ 155 milhões, segundo diretores da agência (Folha de São Paulo).
Além disso, o setor mineral brasileiro teve crescimento econômico nas últimas décadas. Em 2021, o faturamento do setor chegou a R$ 339 bilhões de dólares, em 2001, esse valor era de 7 bilhões (Estadão/fev/2022). No entanto, a ampliação da mineração não foi acompanhada pelo fortalecimento da Agência Nacional de Mineração.
Uma auditoria do TCU, concluída no final de 2018 já havia apontado que a estrutura orçamentária, financeira e de recursos humanos do extinto Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) não era suficiente para cumprir sua função como órgão fiscalizador do setor minerário no Brasil da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).
Em 2017, foi extinto o Departamento Nacional de Produção Mineral e criada a Agência Nacional de Mineração (ANM). Entretanto, a agência herdou a mesma estrutura física e número de servidores do órgão anterior. Quem indica a diretoria da ANM é o presidente da República, e a agência está subordinada ao Ministério de Minas e Energia.
Ao analisar a estruturação e institucionalização da nova agência, o TCU ainda identificou falhas e problemas estruturais em áreas como transparência, gestão de riscos e controles internos. Apesar do TCU apresentar um diagnóstico dos problemas e recomendações de providências para minimizar a possibilidade de ocorrência dos riscos, essas questões pouco avançaram de 2018 para cá.
A ANM é responsável por realizar auditorias em barragens e analisar laudos de estabilidade apresentados pelas mineradoras. O relatório mais recente das Declarações de Condição de Estabilidade (DCEs) das barragens, divulgado em outubro de 2022 (veja matéria publicada aqui) listou 47 barragens de mineração interditadas por falta de estabilidade, um número maior que o anterior, divulgado em março de 2022, (quando 42 estruturas estavam embargadas), o que demonstra que as medidas de controle de risco não estão sendo eficazes.
As mineradoras devem enviar semestralmente à agência reguladora as DCEs das barragens. Na primeira etapa, quem atesta a estabilidade é a própria empresa, e na segunda, a empresa deve contratar uma consultoria externa.
Quando a empresa não envia a DCE ou a estrutura não é atestada para continuar funcionando, a ANM deve interditá-las e estabelecer um plano de fiscalização nessas barragens, entretanto, como conta com uma equipe reduzida, é necessário contratar uma empresa de consultoria para fazer as atividades de fiscalização. “Esse é mais um empecilho que contribui para dificultar a fiscalização,” pontuou o professor Bruno Milanez.
Em Brumadinho, a estrutura de armazenamento de rejeitos que se rompeu causando 270 mortes, estava classificada nos registros da ANM como “de baixo risco de rompimento” e “alto potencial de danos”. (CNN/Londres, fev/2019).
Em 2016, após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), o TCU indicou “graves falhas” nas medidas de fiscalização da Agência Nacional de Mineração, além de falta de equipe técnica, de treinamento e de orçamento para realizar as vistorias.
Outro problema apontado pelo TCU diz respeito à ausência de marco regulatório específico para a gestão de passivos ambientais da mineração. De acordo com o professor do Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica, e do Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez, a fiscalização de passivos ambientais não deveria ser responsabilidade da ANM, pois o processo de fiscalização é muito amplo, e deveria ficar a cargo dos órgãos estaduais, e do Ibama. Por outro lado, se tivesse maior capacidade institucional e alguma articulação com órgãos ambientais a agência poderia vincular a concessão de novos direitos minerários a inexistência de tais passivos, forçando as mineradoras a de fato, remediarem os danos ambientais causados por suas atividades.
A inexistência de instrumentos econômicos para a recuperação de minas órfãs e de inventário nacional, possibilitando a identificação dos riscos para o meio ambiente e a priorização dos passivos a serem recuperados, também é uma falha destacada pelo TCU.
Bruno Milanez criticou o fato de que não existe uma política para recuperação de minas abandonadas no Brasil, e segundo ele, a ANM deveria assumir essa tarefa. Bruno Milanez lembrou que existe também uma lacuna em relação às barragens de rejeitos, previstas na Lei 14.066 de 2020, que alterou a política nacional de segurança de barragens, mas que carece de regulamentação. “O artigo 17, § 2º da Lei dispõe que o órgão fiscalizador poderá exigir a apresentação de caução, seguro, fiança ou outras garantias financeiras às mineradoras para reparação de danos a vida humana ou meio ambiente decorrentes de problemas de barragens de rejeito. No entanto, isso não foi regulamentado, nem pela lei federal, nem pelos estados. A ANM não assumiu essa determinação, e essa lacuna precisa ser encarada,” observou Bruno Milanez.
Soluções apontadas pelo TCU
O Tribunal de Contas da União apresentou recomendações à Agência Nacional de Mineração para melhorar seu desempenho e diminuir os riscos de corrupção e fraude, como a otimização dos processos internos da agência; a priorização dos controles mais importantes, a partir da identificação de seus riscos; que a ANM apresente ao Ministério da Economia (ME) um estudo sobre a necessidade de aumentar seu quadro de pessoal; que regulamente e assegure garantias financeiras para fechamento de minas; e, por fim, que aprimore as normas para acompanhamento e fiscalização da arrecadação da Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e outorga de títulos minerários.
É esperado que o subgrupo de mineração do Grupo Temático de Minas e Energia, instalado na última semana dentro do processo de transição do novo Governo Federal, construa seu trabalho a partir das recomendações apontadas pelo TCU, bem como apontar saída para sanar as brechas existentes na ANM que permitem corrupção dentro do órgão.
Marci Hences é jornalista no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
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