Mais uma vez a história se repete, a velha e falaciosa propaganda do desenvolvimento, dos empregos, das oportunidades para empreender e da multiplicação do PIB municipal/regional novamente aterrissaram no sertão central cearense. É a terceira vez em 18 anos que o Consórcio Santa Quitéria tenta aprovação da licença ambiental para minerar urânio e fosfato no município.
Entre os dias 7 e 9 de junho foram realizadas as Audiências Públicas no âmbito do licenciamento ambiental do Projeto Santa Quitéria nos municípios em que o Ibama julgou pertinente realizá-las: Santa Quitéria, Itatira e Canindé. O critério adotado foi balizado a partir das áreas direta e indiretamente afetadas definidas pelo Consórcio, com exceção do município de Madalena. Ainda que a Articulação Antinuclear do Ceará tenha solicitado a realização de 25 Audiências Públicas, por considerar que as áreas potencialmente impactadas estão sendo subdimensionadas.
O que se pôde ver e ouvir por parte da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), da Galvani Fertilizantes e Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN)? Chantagem; minimização, relativização e ausência de respostas para as questões apresentadas pela Articulação Antinuclear do Ceará e demais trabalhadores e trabalhadoras; além de uma boa dose de exercícios de futurologia: o circuito de rejeitos e emissões de gases e material particulado será fechado e não provocará nenhum impacto.
É necessário que 125 milhões de brasileiros e brasileiras estejam em situação de insegurança alimentar, que a taxa de desemprego esteja em 10,5% (tendo chegado a 14,8% há um ano) que a taxa de inflação esteja em 12,65% a.a., que a cesta básica esteja R$803,99 e o salário mínimo seja de R$1.212 para o povo trabalhador aceitar ouvir tal discurso falacioso. Não bastasse, é preciso mais estômago para acomodar o que o governo do estado do Ceará tem a dizer: que a água só chegará para esta região, que historicamente sofre com a seca nos períodos sem chuva, se o empreendimento for licenciado. Se isso não é chantagem, o que é? Nada menos do que 850.000 litros por hora, enquanto assentamentos da Reforma Agrária a menos de 4 km do empreendimento nunca tiveram tanta água para beber e plantar.
É como se o histórico de operações da INB em Poços de Caldas, MG, e Caetité, BA, somadas às duas outras tentativas de licenciamento do mesmo projeto não fossem suficientes para mais uma negativa. E de fato parece não ser. Milhões de toneladas de pilhas de rejeitos radioativos abandonadas no município mineiro, cujas operações alcançaram apenas 27% do previsto antes de serem encerradas pela empresa, que já afirmou em rede nacional não possuir os U$$500 milhões necessários para descomissionar o passivo ambiental. Uma lagoa de águas ácidas de mais de 180 metros de profundidade e 1km de diâmetro que podem permanecer por até 1.000 anos na natureza em caso de continuidade do seu abandono. A INB não respondeu a estas questões, a CNEN minimizou ao afirmar que TACs já foram celebrados.
Na Bahia sua atuação é ainda mais grave. Inúmeras denúncias de irregularidades administrativas, problemas operacionais, acidentes de trabalho e vazamentos de material radioativo para o ambiente. São vários os casos relatados pela missão realizada pela Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil: vazamentos de 5 mil metros cúbicos de licor de urânio; sete transbordamentos da bacia de rejeitos em seis meses (contaminando águas superficiais com material radioativo); 236 furos nas mantas de isolamento da bacia de finos (que deveriam evitar a contaminação do solo e das águas); mais de dez acidentes, entre 2009 e 2019 nas instalações da INB, com vazamento de licor de urânio, ácido sulfúrico e derramamento de pó de urânio, contaminando trabalhadores da unidade e o meio ambiente do entorno da mina, especialmente o solo e as fontes de água. A INB silenciou quando questionada sobre estes episódios, tratou estes como outros empreendimentos, mas em um grave descuido deixou escapar: estes acontecimentos são “normais” nas operações da empresa.
Não basta que os povos indígenas Potyugara, Tabajara, Gavião, Tubiba-Tapuia, Karão Jaguaribara, Kanindé e Anacé, representações de povos quilombolas, além de povos de terreiro tenham se manifestado perante o licenciamento e ao Ibama nas audiências que existem e que se consideram potencialmente impactados pelo projeto. A Funai e o Incra do governo Bolsonaro já disseram que não há territórios na área direta e indiretamente afetada pelo projeto.
Ainda que tenha sido esse o cenário das audiências públicas, não há nada de novo no front para aqueles e aquelas que historicamente atuam em territórios em conflito pela mineração. O cenário explicitado durante os três dias de audiência é de que mais do que nunca, este é um projeto costurado por cima e que só se faz viável na medida em que invisibiliza e silencia aqueles/as que se colocam contrários ao empreendimento.
O povo teme o colapso hídrico no sertão central cearense, teme o aumento dos casos de câncer como ocorrido em Caetité, Lagoa Real e Livramento, na Bahia e não se convence com o míseros 580 empregos diretos da fase de operação do empreendimento. Ainda que nos encontremos caminhando em direção a barbárie.
A luta por Territórios Livres de Mineração no sertão central cearense segue em sua peleja da vida contra o dragão nuclear. Mais forte e ampla do que nunca!
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