O CASO DE CONGONHAS
Artigo publicado hoje, na versão impressa do Jornal O Tempo, por Bruno Milanez*
Após o rompimento da Barragem I da Vale, em Brumadinho, o Estado adotou medidas para reduzir o risco associado às barragens de mineração. Embora pontuais, essas medidas se mostraram cruciais para tentar mudar o uso dessa tecnologia.
A Resolução 04/2019 da Agência Nacional de Mineração (ANM) proibiu a construção de novas barragens a montante, bem como definiu um prazo para que essas barragens sejam descomissionadas ou descaracterizadas. Ela também proibiu que fossem construídas ou mantidas nas Zonas de Autossalvamento (ZAS) obras que incluíssem a presença humana.
O governo de Minas Gerais, por meio da Lei 23.291/2019, proibiu a concessão de licença ambiental para barragens a montante. Ele também deu prazo para que a mineradoras migrassem para tecnologias alternativas e descaracterizassem suas barragens a montante. Ainda foi proibida a construção de novas barragens que colocassem comunidades dentro de ZAS.
Todavia, ambas as normas deixaram de dar a devida atenção à situação das barragens que já possuem populações vivendo em ZAS. A ANM não faz menção a esse caso. Já a legislação mineira apenas declarou tais comunidades como “Áreas de Vulnerabilidade Ambiental”, o que significa, simplesmente que devem contar com sinalização que identifique as áreas de risco.
Chama a atenção a adoção desse duplo padrão no tratamento de populações que estão sob o mesmo risco. Por que a ANM considera inaceitável que trabalhadores almocem em ZAS, mas permite que milhares de pessoas vivam permanentemente nestas mesmas áreas? Onde está a igualdade no tratamento da população, quando o governo de Minas Gerais proíbe que comunidades sejam colocadas em novas ZAS, mas aceita o risco para outros grupos? Seriam essas vidas passíveis de uma análise custo-benefício? Estariam os legisladores ponderando os direitos dessas pessoas pelo ganho econômico das empresas?
Um caso emblemático dessa situação é a cidade de Congonhas (MG), onde bairros inteiros se encontram na ZAS de um complexo que envolve as barragens B4 (alteamento a montante), B5 (etapa única) e Casa de Pedra (construída com alteamento a jusante, mas com um dique construído numa combinação de linha de centro e montante). Em 2017, esse complexo, pertencente à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), foi interditado pelo Ministério do Trabalho. Naquele momento, foi calculado um fator de segurança inferior a 1,3; hoje exigido pela ANM. Ainda, enquanto a CSN corrigia problemas de surgência, que poderiam comprometer a estabilidade da barragem, ela declarava que fazia adequação topográfica.
Barragens de rejeito são passivos que se mantêm por décadas. As barragens da CSN apresentaram falhas no passado, que podem se repetir futuro. Não há garantias que, então, tais falhas virão a ser corrigidas a tempo. A legislação mostra que é inaceitável manter populações vivendo em ZAS. Isso vale para novas barragens, isso deve valer para Congonhas.
*Bruno Milanez
Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica
Universidade Federal de Juiz de Fora
bruno.milanez@ufjf.edu.br
Fonte: O Tempo
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