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Após 14 meses de governo, Lula foca no discurso de enfrentamento às mudanças climáticas, mas não avança na política mineral

A política mineral é um dos grandes desafios do presidente Lula. Embora haja avanços no enfrentamento às mudanças climáticas, não existe uma política específica para o setor e após quatorze meses de governo, a Política Pró-Minerais Estratégicos de Bolsonaro segue ativa

Há quatorze meses  do fim do governo extremista de Jair Bolsonaro (PL), que promoveu um desmonte nas políticas voltadas à proteção do meio ambiente, organizações dos povos indígenas, ONGs que atuam na preservação da Amazônia e países parceiros na preservação ambiental estavam esperançosos de que o Brasil reconstruiria sua política ambiental e retomaria a gestão no setor mineral.

Em seu primeiro mês de governo, em 2023, Lula assinou decretos importantes, como o PPCDAm (Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), os conselhos participativos, medidas urgentes contra o garimpo ilegal, além de avanços no combate aos desastres da mineração, mudanças na legislação minerária e fortalecimento dos órgãos de controle, são importantes iniciativas.

Entretanto, nossa frágil democracia ainda é refém dos interesses do Congresso Nacional. Em 2022, os (as) brasileiros (as) elegeram o Congresso mais conservador desde a redemocratização do Brasil, organizado em três grandes bancadas não formalizadas – evangélica, segurança/bala e ruralista –, cujos interesses giram em torno dos latifúndios, (dos agrotóxicos), dos grandes empresários, das corporações nacionais e internacionais de mineração, e, mais, recentemente, do mercado do carbono,

Além do poder de barganha do Congresso, o desmonte ambiental promovido por Bolsonaro e seus aliados fortaleceu ainda mais o lobby de latifundiários, de corporações da mineração e de garimpeiros.

De fato, os dados apontam que em janeiro de 2023, Lula assumiu um país com recordes de destruição ambiental. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Hutukara Associação Yanomami apontou que no último ano do governo de Jair Bolsonaro, o garimpo ilegal cresceu 54% na Terra Indígena Yanomami. A pesquisa revelou também que na Terra Indígena Yanomami, 5.053 hectares de terras foram destruídos durante os quatros anos de governo de Bolsonaro.

Um dos pontos centrais do discurso do governo Bolsonaro foi o estímulo e aval ao garimpo em terras indígenas. Diversos projetos legislativos foram aprovados com esse intuito. Um que merece destaque é o Projeto de Lei (PL) 191/2020. De autoria de Jair Bolsonaro, Bento Albuquerque e Sérgio Moro, na prática, o PL 191 pretendia legalizar garimpos, conceder direitos minerários e de exploração de petróleo e gás nas terras indígenas, retirando direitos constitucionais dos povos originários. Uma das primeiras medidas do governo Lula, já em março de 2023, foi retirar de tramitação da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 191/2020.

Assim como esse, outros projetos de lei foram revogados pelo governo Lula em seu primeiro ano de mandato. No que diz respeito especificamente à criação de uma política mineral de enfrentamento aos impactos/danos causados pela mineração, e os conflitos decorrentes, especialistas sobre o tema apontam que apesar de Lula não conseguir retomar uma política específica para o setor, existem mudanças sintomáticas na centralização do tema de enfrentamento às mudanças climáticas, que acabam refletindo na tomada de decisões e políticas públicas do setor mineral.

Ações contra o garimpo ilegal

Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, pontua avanços efetivos nos primeiros quatorze meses de governo Lula, como o controle do desmatamento, notadamente na Amazônia; e a fiscalização reforçada no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que mostrou resultados efetivos. Entretanto, observa, é urgente assegurar condições de trabalho para os agentes do Ibama, para que retomem as operações de campo. Houve avanços importantes também na reconstrução institucional da política ambiental e climática, e na configuração da questão ambiental no governo.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) e suas autarquias retomaram a atuação. Outro avanço, segundo Suely, é a correção feita pelo Governo da “pedalada climática” – o conflito com o Acordo de Paris. “Clima e meio ambiente necessitam ser assumidos realmente como norte da atuação governamental,” afirma. Além disso, é preciso que ocorra a transversalidade do tema meio ambiente entre os ministérios para que ações afirmativas possam ganhar concretude e ir além dos decretos de organização do governo.

Dentre as políticas do governo Lula em 2023 que refletem essas mudanças, destaca-se a importante iniciativa de Lula ainda em janeiro de 2023, quando foi decretado estado de emergência no território indígena Yanomami, em Roraima, e a retirada dos garimpeiros do local. A assessoria de imprensa da Casa Civil nos respondeu em nota que em 2023 foram realizadas mais de 400 operações no território Yanomami, e a apreensão soma mais de R$ 600 milhões relacionados a patrimônio e recursos financeiros de grupos ilegais.

A assessoria de imprensa do Ministério dos Povos Indígenas nos respondeu que em 2023 foram realizados mais de 21 mil atendimentos médicos por 960 profissionais no território yanomami, e mais de 4,3 milhões de unidades de medicamentos e cerca de 58,4 mil cestas aos Yanomamis.

Ainda de acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, em 2024, o investimento federal para o território yanomami em 2024 contará com R$ 1,2 bilhão em crédito extraordinário. Esses recursos irão garantir a construção de uma Casa de Governo em Boa Vista, Roraima, para concentrar às demandas das comunidades Yanomamis.

Avanços no combate aos desastres da mineração

Para o geógrafo do departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luiz Jardim Wanderley, o governo Lula se mostrou muito ativo no enfrentamento aos desastres da mineração, em curso, em 2023. Luiz Jardim Wanderley citou as ações do governo Lula em julho de 2023, em torno ao desastre na bacia do Rio Doce,  atingida pelo rompimento da barragem de Fundão, quando Lula enviou diversas caravanas aos municípios ao longo do desastre da Samarco-Vale- BHP Billiton.  “Então eu vejo que o governo federal tem tentado efetivamente dar respostas mais amplas e efetivas aos desastres,” avalia Luiz Jardim Wanderley.

Luiz Jardim Wanderley destaca que o governo vem se posicionando e se colocando como possível interlocutor em busca de soluções mais justas para os atingidos e os municípios afetados no caso do desastre da Vale no rio Paraopeba também. “Na questão do desastre da Braskem em Maceió, a reação mais forte foi do Congresso Nacional que abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar ilegalidades e omissões por agentes privados e públicos. Contudo, o governo federal também tem acompanhado o caso,” afirma o geógrafo.

Para o professor da UFF, isso é uma sinalização importante à sociedade, pois existe uma disputa política em torno das responsabilizações, das ações e meios de reparação dos desastres ambientais – que podem vir a aumentar muito devido às mudanças no clima.

Uma importante iniciativa para combater os desastres ocorreu em dezembro de 2023, quando o presidente Lula sancionou a Lei 14.755/23, que assegura direitos para as populações que sofrem os impactos decorrentes das atividades envolvidas em barragens de mineração. O texto atendeu uma reivindicação antiga do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), tirando essa atribuição das mineradoras responsáveis pelos impactos.

Conselho Nacional de Política Mineral

Uma das ações do governo Lula já no segundo mês de mandato, em fevereiro de 2023, foi a publicação do Decreto Nº 11.419, que alterou o Decreto nº 11.108/2022, de Bolsonaro, que institui a Política Mineral Brasileira e o Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM). O decreto de Lula promoveu uma readequação do CNPM que passa a ser gerido pela Casa Civil, e busca oferecer melhor assessoramento ao presidente do país na formulação de diretrizes para o setor mineral brasileiro.

Para Araê Cupim, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a reativação dos Conselhos Participativos – extintos por Bolsonaro – é uma importante iniciativa do governo Lula. “A democratização das políticas públicas, permeadas pela possibilidade de diálogo com movimentos sociais e com a sociedade civil ligados à mineração e aos territórios é um grande avanço,” pontua.

Entretanto, no que diz respeito especificamente à pauta da mineração, o dirigente do MAM avalia que não existe um projeto político para regular a mineração do Brasil, assim como não existem políticas para regular a exportação de matérias‑primas. “Hoje, a lógica é minerar a todo custo, e o minerar a todo custo quer dizer à custa da exploração das populações, dos territórios,” declara.

Além disso, a sociedade civil e movimentos sociais ligados à mineração não são convidados para participar ativamente da tomada de ações. O novo texto do Conselho Nacional de Política Mineral destina duas vagas para a participação da sociedade civil, mas, na prática isso não vem acontecendo, observa Araê Cupim, porque o Conselho delimitou essas vagas para técnicos/especialistas na área da mineração. “Então, ele é criado, mas já vem amarrado. Não tem trabalhador, não tem sindicato, não tem movimento social para discutir a política mineral dentro do Conselho Nacional de Política Mineral,” critica.

Mudanças na legislação minerária

Outra ação do governo Lula ainda em janeiro de 2023 foi revogar o Decreto 10.966, de fevereiro de 2022 de Jair Bolsonaro, que criava o “Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala – Pró-Mape”. O projeto tinha como objetivo criar uma política pública de apoio ao garimpo, pois concedia aos responsáveis pela prática de “extração de substâncias minerais garimpáveis” o aval necessário para a continuidade das extrações ilegais em regiões protegidas.

Entretanto, a portaria que criou a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos continua efetiva, apesar das recomendações do grupo técnico da Comissão de Transição Governamental 2022. A Política Pró-Minerais Estratégicos de Bolsonaro foi instituída por meio do Decreto nº 10.657, de 24 de março de 2021 e deu seguimento à política de Michel Temer. (Veja aqui matéria do Comitê publicada em junho de 2023 sobre o tema.)

Edson Farias Mello integra o grupo técnico que produziu o relatório e acredita que Lula não apresentou uma política pública para a mineração diferente do que sempre existiu. “O setor mineral hoje no Brasil se insere em uma agenda neoliberal e agressiva, que não pode ser denominada de sustentável. A política mineral do governo Lula é uma política que atende ao capital financeiro, apenas,” declarou.

Luis Carlos Nascimento, associado à Cooperativa dos Garimpeiros de Monte Santo, no Tocantins, cuja principal atividade é a extração de esmeraldas, concorda que apesar de avanços, a política para o setor mineral não teve andamento no primeiro ano do governo Lula.

O garimpeiro, que integra a coordenação do Fórum Nacional pela Mineração Responsável (FONAMIR), afirma que, assim como no governo Bolsonaro, não foi criado um programa de incentivo à mineração para pessoas físicas e pequenas empresas. “Nós que trabalhamos em pequena escala, com garimpo de gema, nunca fomos escutados,” lamenta Luis Carlos Nascimento. O minerador relatou ainda que em 2023, o FONAMIR enviou diversos ofícios à ANM na tentativa de conseguir uma agenda, no entanto, nunca foram recebidos.

Mesas de Diálogo com a sociedade

Por outro lado, outra iniciativa importante do governo Lula em 2023 foi a criação da Mesa de Diálogo Temática sobre Mineração no Brasil, instituída pela Secretaria-Geral da Presidência da República por meio da portaria 162/23.  De acordo com Jarbas Vieira da Silva, que atua no Órgão, a mesa servirá para o governo debater com a sociedade, e setores envolvidos os impactos sociais, culturais, ambientais e econômicos da atividade minerária em todo o país.

Para Araê Cupim, do MAM, embora as mesas de diálogo não tenham avançado muito, elas constituem mais um importante instrumento de participação popular, impensável no governo anterior. “Nosso objetivo é conseguirmos nos organizamos para realizarmos a primeira Conferência Nacional da Mineração, o que seria um passo muito significativo para a criação de políticas para o setor mineral, ouvindo a sociedade,” observou Cupim.

Para o geógrafo da UFF, Luiz Jardim Wanderley, ainda não está muito claro qual é o projeto do Governo para a mineração, mas o fortalecimento das instituições, a abertura de concurso para provimento de vagas, a mudança de diretores alinhados com uma política de proteção ao meio ambiente, e a abertura de diálogo com a sociedade civil reflete em uma reestruturação política.

Para Suely Araujo, do Observatório do Clima, o maior controle sobre os impactos negativos da mineração se insere no rol de desafios do atual governo. “Nesse ponto há um conflito evidente na atuação do governo Lula quanto à pauta climática, que está na decisão de intensificar a exploração e produção de óleo e gás. Em plena crise climática, o Brasil precisa decidir se quer ser uma potência ambiental ou um petroestado. Os dois papeis são incompatíveis,” observa Suely Araújo.

Marci Hences é jornalista no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.

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