Os posicionamentos e declarações feitos pelo diretor presidente da Vale, Fabio Schvartsman, a respeito do desastre que ocorreu em Brumadinho, surpreendem por suas generalidades e imprecisão. Era de se esperar que um executivo que recebe cerca de R$ 19 milhões por ano, soubesse aparentar que entende realmente da empresa que está sob seu comando e responsabilidade. Entretanto, suas colocações demonstram uma ignorância tão explícita acerca do tema, que não se sabe se está querendo enganar a população ou a si mesmo.
Em seu primeiro pronunciamento, Schvartsman demostrou surpresa com o rompimento da barragem.
É uma enorme tragédia, nos pegou totalmente de surpresa e eu estou completamente dilacerado. […] Temos auditorias externas feitas por empresas especializadas, inclusive alemãs, que atestam a estabilidade dessa barragem e isso é feito periodicamente. São todas informações muito recentes, então daí a nossa surpresa e desalento (25/01/2018)
Há anos movimentos sociais, universidades, ONGs e comunidades vêm anunciando aos quatro ventos que o processo de automonitoamento das barragens de rejeito no Brasil é enviesado, que seus laudos não são confiáveis e que o processo [e male[avel aos interesses da empresa. O rompimento da barragem da Herculano Mineração (Itabirito, 2014), acendeu uma luz amarela para esse sistema. O desastre no Rio Doce com a queda de Fundão (Mariana, 2015), acendeu a luz vermelha. Mas a Vale, como outras mineradoras do país, fingiu que não viu e seguiu em frente, mantendo o procedimento do automonitoramento. Mesmo revistas como a The Economist, com a qual Schvartsman deve estar mais familiarizado, reconhecendo que “as empresas tendem a selecionar auditores que vão oferecer uma opinião limpa o mais rápido e barato possível”. Então afirmar que ele acreditava que os pareceres contratados pela empresa eram de fato precisos e imparciais não soa tão convincente.
Talvez a surpresa de Schvartsman tenha sido causada, não pelo rompimento em si, mas por sua localidade. Provavelmente, se a barragem rompida se localizasse em Nazareno (MG), onde cinco barragens da Vale Manganês tiveram sua estabilidade não garantida em 2016 (duas das quais não foram aprovadas pelos auditores por quatro anos consecutivos), o presidente da Vale não teria se sentido surpreendido. Afinal nesses casos, os pareces teriam se mostrado verídicos e as barragens teriam caído, conforme esperado.
Para além dessa aparente ignorância sobre o (não) controle das barragens pelas quais é responsável, Schvartsman, para apaziguar pseudo-soluções simplistas e vagas, que pouco ou nada dizem sobre o que ocorrerá com as barragens a montante existentes.
“Tivemos a decisão de fazer, de uma vez por todas, o que é necessário para encerrar dúvidas. […] Vamos eliminar todas as barragens a montante, descomissionando todas elas, com efeito imediato. […] Todas as 19 já estão desativadas. As descomissionadas deixam de ser barragens ou são esvaziadas ou integradas ao meio ambiente”.
Com sua fala de aprendiz de feiticeiro, muito própria do período da pós-verdade, Schvartsman promete revolucionar a Lei de Lavoisier e fazer desaparecer a matéria, algo que somente políticos que querem acreditar em qualquer coisa que lhes vendam como solução irão acreditar.
Um processo de descomissionamento pressupõe que a barragem seja esvaziada, sendo retirados todos os rejeitos. Esse material deverá ir para algum lugar: uma outra barragem ou uma cava. Ele não desaparece simplesmente, nem se integra ao ambiente.
Da mesma forma, se não há desmonte, como a barragem se “integrará ao ambiente”? Fechar a barragem significa que o rejeito continuará onde está. Por consequência, terão que ser mantidas as práticas de manutenção e monitoramento. Se a Vale não realiza tais práticas adequadamente nas barragens ativas, o que esperar de barragens “integradas”. Assim, a “integração com o ambiente” apenas esconde o risco, mas não o faz sumir.
A decisão da companhia foi que não podemos mais conviver com esse tipo de barragem. Tomamos a decisão de eliminar, acabar, com todas as barragens a montante, descomissionando todas elas, com efeito imediato. Para tanto, será necessário paralisar as operações de mineração em todos os sites (locais) que estão na proximidade dessas barragens. A única maneira de fazer o descomissionamento é fazer a parada — anunciou o presidente.
Talvez a única a principal verdade que o presidente da Vale apresenta é o de parada das atividades. Apesar de Schvartsman dizer que os 5 mil trabalhadores da Vale serão absorvidos pela Vale, ele não diz onde e nem como. Mesmo mantendo o emprego, trabalhadores terão que se mudar para outras cidades ou mesmo para o Pará, onde se encontram 50% das operações de extração de ferro da Vale. Da mesma forma, ele não menciona o que ocorrerá com os funcionários terceirizados. Como a média de terceirizados da Vale é de, aproximadamente, metade do total, a fala de Schvartsman sugere que as cidades onde a Vale irá parar terão de encontrar solução para 5 mil desempregados.
Devido o contexto de dependência dessas regiões pela mineração, onde as alternativas econômicas são sistematicamente sabotadas em grande parte pela própria estrutura política implantada pelas mineradoras, não é difícil imaginar o começo em breve de uma mobilização capitaneada pela própria empresa, nos termos de “Fica Vale”.
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