O preço do minério de ferro no mercado internacional chegou ao índice mais baixo desde outubro de 2021, após os preços do produto subirem mais de 70% no ano, e o movimento de alta continuar na primeira metade do ano passado. A China, principal compradora de minério de ferro do Brasil, reduziu em 31% as importações no 1º trimestre de 2022, na comparação com o 1º trimestre de 2021. Dados do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) também apontam que houve uma queda na produção mineral brasileira, principalmente devido às fortes chuvas em Minas Gerais em janeiro e fevereiro de 2022 e diversas manutenções em unidades operacionais no país.
Em termos de comercialização transoceânica, o país fica atrás apenas da Austrália, que é responsável por mais da metade das exportações globais. A balança comercial brasileira é altamente dependente do minério de ferro, já que é o segundo bem mais exportado pelo Brasil, depois da soja. Portanto, as contas nacionais são muito vulneráveis à oscilação de preço típica desse produto. Assim, a queda nos negócios internacionais que envolvem o minério de ferro pode ter efeitos negativos para o Brasil, além de se refletir, sobretudo, nos municípios onde a economia é subordinada à mineração, como em Minas Gerais e Pará.
Ainda conforme dados divulgados pelo IBRAM, na comparação entre o 1º trimestre de 2022 e o de 2021, estima-se que a produção de minério de ferro em toneladas caiu 13%; a arrecadação de tributos caiu 20%, e a de royalties baixou 25%. O preço despencou de US$ 120 a tonelada em janeiro do ano passado para US$ 60 em maio deste ano.
Com a diminuição no preço e na produção, os municípios dependentes da mineração já sentem a queda de suas arrecadações e precisaram ajustar suas contas para se adaptar à redução da receita, pois a Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM) também caiu. A Agência Nacional de Mineração aponta que 2.404 municípios brasileiros recolhem CFEM em 2021. O Pará é o estado brasileiro com maior arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), os royalties da mineração, seguido de Minas Gerais. Entre janeiro e abril de 2022, o Pará arrecadou R$ 926,9 milhões, enquanto Minas Gerais arrecadou até abril de 2022 R$ 867,4 milhões em royalties de minério de ferro. O valor representa retração de 29% sobre o recolhimento nos mesmos meses de 2021, quando foram contabilizados R$ 1,2 bilhão no estado mineiro (dados de maio deste ano). As cidades mineiras com maiores volumes de royalties em 2022 foram: Conceição do Mato Dentro, Mariana, Itabira e Itabirito.
Em Conceição do Mato Dentro, município que mais arrecada CFEM em Minas Gerais, os impactos já vêm sendo observados ao longo de 2022. O município arrecadou R$ 116 milhões no primeiro trimestre de 2022. No mesmo período em 2021, o valor chegou a R$ 197 milhões. A queda é superior a 41%.
Segundo o prefeito de Conceição do Mato Dentro e presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG), José Fernando Aparecido de Oliveira (José Fernando), em torno de 70 % da economia do município depende da mineração. Oliveira afirma que a queda do preço do minério de ferro afeta todos os municípios onde a extração do minério tem relevância na economia local. “O preço do minério de ferro e do câmbio vinham se mantendo em alta no mercado internacional até o final de 2021, e consequentemente, os resultados foram muito positivos para todo o setor mineral, apesar da pandemia, sobretudo o minério de ferro, mas, infelizmente, como se tratam de commodities (produtos de origem agropecuária ou de extração mineral, em estado bruto ou pequeno grau de industrialização, destinados ao comércio externo) estão sujeitos às oscilações do mercado,” observou o prefeito José Fernando.
Nos demais municípios dependentes da mineração, cuja principal produto extraído é o minério de ferro, observa-se movimento semelhante. Com a redução da CFEM, as mineradoras, principalmente as de médio porte, seguram os investimentos, o que pode colocar em risco o emprego de milhares de trabalhadores. Como reflexo, há um desaquecimento da economia local e redução de investimentos nos municípios.
Em Itabirito, na região Metropolitana de Belo Horizonte, a queda foi de mais de 60% na arrecadação do minério de ferro. As receitas saíram de R$ 32,1 milhões no primeiro mês de 2021 para R$ 12,6 milhões neste exercício. Em Nova Lima, também na região Metropolitana da capital mineira, os valores passaram de R$ 145,4 milhões para R$ 85,7 milhões, o que demonstra uma queda de 41% no mesmo período.
Apesar da queda na variação do preço, o prefeito de Conceição do Mato Dentro está otimista em relação aos resultados da economia gerada pelo minério de ferro. Sua perspectiva se alinha com a de vários outros políticos de cidades extrativas, que, comumente, assumem que as crises são temporárias e os períodos de bonança duradouros. Apesar desse aparente otimismo, José Fernando Aparecido de Oliveira indica a importância da redução da dependência por meio da diversificação econômica. “Precisamos pensar em planejamentos estratégicos para quando a produção de minérios chegar à exaustão, os nossos municípios possuírem alternativas de renda. Já vivemos diversos ciclos em Minas Gerais, como ciclo do ouro, do diamante, entre outros, mas terminaram, assim como o do ferro vai terminar um dia, ” apontou o prefeito de Conceição do Mato Dentro.
O prefeito citou ainda o exemplo de Itabira, na região Sudeste do país, que já anunciou o fim do minério de ferro. Conhecida como a “Cidade do Ferro”, Itabira é o berço da Companhia Vale do Rio Doce, criada para extrair na cidade a hematita, minério com alto teor de ferro. A atividade minerária corresponde a aproximadamente 60% da renda da cidade. No entanto, projeções apresentadas pela Vale, que responde por 99,5% das operações minerais no município, indicam que as suas reservas em Itabira estarão esgotadas em menos de 20 anos.
Por isso, afirma José Fernando Aparecido de Oliveira, é importante que os municípios pensem como priorizar e investir adequadamente os recursos da CFEM. Em 2017, a cidade de Conceição do Mato Dentro aprovou a Lei nº 2.175, responsável por instituir o Fundo Municipal de Diversificação Econômica e Desenvolvimento Sustentável. Este fundo, deveria ser fiscalizado pelo Conselho Municipal de Diversificação Econômica e Desenvolvimento Sustentável. Porém, passados quase cinco anos, o Conselho ainda não foi plenamente instituído. Depois de criado o Conselho também será responsável por assessorar o Poder Executivo local no estabelecimento das diretrizes, prioridades e programas de alocação dos recursos. O objetivo do projeto, segundo o texto da lei “é promover a diversificação da economia municipal e a garantia de permanência do desenvolvimento socioeconômico da cidade, mesmo após a exaustão ou a diminuição da exploração de recursos minerais no território do município”.
Conceição do Mato Dentro passou a receber a Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM) no ano de 2014, com o início das operações da mineradora Anglo American. Desde 2020, se mantém como o terceiro maior arrecadador de CFEM no país, atrás somente de Parauapebas (PA) e Canaã dos Carajás (PA). O município encerrou o ano de 2021 com R$387,3 milhões provenientes da CFEM em seus cofres. Em maio deste ano, porém, Conceição do Mato Dentro esteve no meio de uma ampla discussão sobre mal uso dos royalties da mineração, uma vez que a prefeitura pretendia usar mais de R$ 1 milhão oriundos da CFEM para custear shows de cantores sertanejos. Devido à má repercussão da notícia, as apresentações acabaram sendo canceladas. O episódio reforçou a urgência do real controle social sobre o uso dessa receita, como vem sendo discutido pelo projeto De Olho na CFEM.
Outro problema enfrentado pelos municípios dependentes da mineração, de acordo com o prefeito José Fernando Aparecido de Oliveira, é a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) às exportações de produtos primários no País, como o minério do ferro. A norma foi instituída pela Lei Kandir, proposta durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, e entrou em vigor em 1996. A lei já passou por diversas reformulações, e até 2003, garantia aos Estados o repasse de valores a título de compensação pelas perdas decorrentes da isenção de ICMS, mas, desde 2004, após a Lei Complementar 115 que, embora mantendo o direito de repasse, deixou de fixar o valor do repasse. Com isso, os governadores precisam negociar a cada ano com o Executivo o montante a ser repassado aos municípios. Assim, as benesses tributárias concedidas pelos governos federais ao setor mineral acabam por reduzir a capacidade de Estados e municípios atenderem às necessidades de suas populações.
Para José Fernando Aparecido de Oliveira, ao isentar a cobrança de ICMS de países como China, por exemplo, que compra bilhões de toneladas de ferro do Brasil, o governo incentiva a industrialização do minério no exterior. “O que nós defendemos é o desenvolvimento da cadeia produtiva do minério de ferro dentro do nosso país,” explicou. O prefeito de Conceição do Mato Dentro aponta ainda que a criação do fundo de diversificação econômica tem como objetivo substituir a mineração no prazo de sua exaustão, e que a ideia é transformá-lo num fundo soberano, que contribua para a criação de cadeias produtivas, e também para bancar o custeio do próprio município.
Todavia, o que a experiência deste ano, assim como a crise vivida em 2015, sugere é que, para além da questão da exaustão das reservas no médio prazo, a constante oscilação do preço do minério é uma ameaça bem mais urgente para os municípios dependentes da mineração. Nestas localidades, variações significativas nas receitas tendem a comprometer sua capacidade de planejamento e, ainda, colocar em risco uma série de atividades e serviços locais. Portanto, a discussão da redução da dependência mineral não deve ser feita olhando para um ponto no futuro. Ela se faz urgente para tentar mitigar os problemas que os governos locais já estão vivenciando.
Marci Hences é jornalista no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.