O Brasil tem hoje 47 barragens embargadas por falta de declaração de estabilidade, conforme relatório divulgado na terça-feira (18) pela Agência Nacional de Mineração (ANM). O relatório anterior, divulgado em março de 2022, indicava 42 estruturas impedidas de funcionar, o que indica um aumento de 11,9%, comparado ao anterior. Minas Gerais é o estado que mais tem barragens embargadas – 31 das 47 barragens interditadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) por falta de declaração de estabilidade estão localizadas em solo mineiro.
O documento técnico (leia aqui) contabiliza o recebimento das Declarações de Condição de Estabilidade (DCEs) que devem ser enviadas semestralmente pelas mineradoras à agência reguladora. As estruturas interditadas são aquelas que não enviaram as Declarações de Condição de Estabilidade ou enviaram, mas os laudos não atestavam a estabilidade. Além de Minas Gerais, há barragens embargadas em cinco estados: Mato Grosso (10), Pará (2), Bahia (2), Amapá (1) e São Paulo (1).
A entrega da Declaração de Condição de Estabilidade é obrigatória para o funcionamento de todas as barragens incluídas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). O relatório traz informações da campanha 2/2022, cujo período para envio das DCEs ocorreu de 1° de setembro de 2022 a 07 de outubro de 2022. O documento aponta que das 461 barragens de mineração atualmente inseridas na PNSB no País, 399 possuem DCE atestando a estabilidade, 31 entregaram declaração não atestando a estabilidade das estruturas e 16 não enviaram as DCEs, o que pressupõe que as mineradoras responsáveis não têm condições técnicas de garantir sua estabilidade.
Conforme o documento da Agência Nacional de Mineração, “o não envio da DCE significa desconhecimento acerca dos riscos associados aos critérios de segurança das barragens”. As empresas tinham até o dia 30 de setembro para entregar os relatórios, e aquelas que não enviaram, tiveram suas barragens embargadas. De acordo com o relatório da ANM, “as barragens que não emitiram o atestado da estabilidade, além da interdição, serão priorizadas para fiscalização”.
Na primeira etapa, quem declara a DCE e atesta a estabilidade é a própria empresa, e na segunda, a empresa deve contratar uma consultoria externa. De acordo com o professor do Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica, e do Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez, “existe a possibilidade de a auditoria contratada pela mineradora concluir que a barragem não tem segurança para continuar operando, então a empresa opta por não enviar a Declaração de Condição de Estabilidade”.
As empresas responsáveis pelas barragens que não apresentaram DCE seriam obrigadas a iniciar uma série de obras para garantir a segurança mínima dessas estruturas. No entanto, de acordo com o professor Bruno Milanez, as medidas de penalização impostas às mineradoras pela ANM não têm sido efetivas, como indica o aumento no número de barragens que não tem estabilidade. “Ano após ano observamos a evolução da situação de não estabilidade das barragens de mineração no país. Esse aumento indica que as medidas da ANM não são efetivas para reduzir o risco que essas barragens representam ao meio ambiente e para as comunidades que vivem em seu entorno. Além disso, as alterações nas normas de segurança de barragens não têm solucionado efetivamente o problema, uma vez que possuem muitas lacunas legais” afirma Bruno Milanez.
Um exemplo de lacunas criadas pela Lei 14.066/2020, citadas pelo professor, é o fato da ANM embargar somente a barragem, no caso de não garantia de estabilidade. Entretanto, o mesmo complexo minerário pode possuir diferentes barragens, o que permitiria a continuidade das operações. “Por exemplo, quando a barragem de uma grande mineradora é interditada, a empresa pode continuar depositando rejeitos em outras barragens. É preciso embargar todo o complexo,” explicou.
Ele destaca que é urgente se pensar em medidas mais rigorosas para penalizar as mineradoras, como cancelar o direito de lavra daquela mineradora, entre outras ações para proibi-las de continuar operando,” criticou Bruno Milanez.
Além disso, a agência conta com uma equipe reduzida, que a levou a contratar uma empresa de consultoria para fazer as atividades de fiscalização, entre os motivos que contribuem para dificultar a fiscalização.
Barragens com maior risco estão localizadas em Minas Gerais
Entre as barragens inseridas no nível 3 de emergência, ou seja, em situação de ruptura iminente ou em curso, todas estão localizadas em Minas Gerais: a barragem B3/B4 em Nova Lima, na região de Belo Horizonte; Forquilha III, em Ouro Preto; a Sul Superior, em Barão de Cocais, todas da Vale; e a Barragem de Rejeitos da Mina Serra Azul, em Itatiaiuçu, pertencente à ArcelorMittal. Essas estruturas não têm estabilidade comprovada e apresentam alto risco de ruptura.
As barragens de Forquilha I e II, no limite das cidades de Itabirito e Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais; Xingu, em Mariana; Grupo, Dique de Pedra, e Área IX, todas em Ouro Preto e pertencentes à Vale, se enquadram no nível 2 de emergência. Há ainda 21 barragens em Minas Gerais no nível 1 de emergência.
Há cerca de um ano, em novembro de 2021, duas torres do sistema preparatório para obras nas barragens Forquilhas I e II, da Vale, caíram. A mineradora informou que não havia funcionários no local no momento da queda. As duas barragens já estavam no nível 2 de emergência em 2021, o que significa que os problemas apresentados são considerados “não controlados” ou “não extintos” e que as estruturas precisam de novas inspeções. As estruturas, que pertencem à Mina Fábrica da Vale, passaram pelo processo de descaracterização. Os moradores que moram na chamada zona de autossalvamento foram retirados de suas casas no ano passado.
Outra questão que tem sido debatida é sobre o método de construção das barragens. Entre as 47 estruturas embargadas, a maioria foram construídas pelo método de etapa única (17). Outras 16 foram alteadas pelo método de montante, como as que romperam em Mariana e Brumadinho, 9 foram construídas pelo método linha de centro e 5, a jusante.
“Depois dos rompimentos das barragens de Fundão, em Mariana, e da B1, em Brumadinho, criou-se um discurso de que o problema eram barragens construídas pelo método a montante, tanto que legislação passa a proibir o método de montante, mas 66% das estruturas embargadas em setembro de 2022 não são a montante. Esse discurso pode induzir a população que vive no entorno de barragens construídas em outros métodos, a acreditar que elas não correm riscos. No então, o problema, é a tecnologia de barragens e não o método usado, logo, todas elas têm riscos. Por isso, é preciso pensar em outras alternativas para além da proibição das barragens a montante e sua descaracterização”, observou Milanez.
O crescimento do número de barragens que não apresentam estabilidade demonstra o quanto o estado precisa avançar para garantir a segurança da população. Bruno Milanez aponta ainda que é preciso mudar a legislação de segurança de barragens, com medidas mais amplas e efetivas para que as mineradoras invistam o recurso necessário para garantir a estabilidade das estruturas existentes e evitem a construção de novas barragens, como forma de reduzir a possibilidade de novos desastres como os que aconteceram em Mariana e Brumadinho, Minas Gerais, causados pela Vale. “Se a mineradora não oferecer a segurança adequada, ela não pode continuar operando,” pontuou o professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez.
Marci Hences é jornalista no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.