Candidatos da direita defendem o atual modelo de mineração subordinando a atividade econômica a interesses estrangeiros, com base na exportação de commodities, exploração do trabalho e subdesenvolvimento. Os candidatos da esquerda criticam a mineração predatória, mas diversos temas importantes são ignorados pelas propostas de ambos os partidos

Apesar do Brasil ser um país minerador, e cujas consequências da mineração predatória se tornarem óbvias após mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração eclodirem sobre a bacia do rio Doce em Mariana, Minas Gerais, em novembro de 2015, resultando num dos maiores crimes socioambientais da história do nosso país, que expôs um ciclo de repetição da agressividade do setor de extração mineral, poucos candidatos apresentaram em seus planos de governo propostas para evitar novas tragédias como essa. Apenas o programa de Lula faz referência direta à atividade mineradora considerando os territórios e comunidades atingidas. Simone Tebet diz que combaterá a mineração ilegal, única referência direta sobre o tema em seu plano de governo. Bolsonaro defende a mineração como um modelo de crescimento aliado ao agronegócio, e Ciro Gomes, apesar de citar a mineração nas diretrizes de seu governo, no seu plano de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há nenhuma referência direta à atividade mineradora.

Diante da latência do tema, sobretudo após as tragédias em Mariana e Brumadinho, o Brasil precisa debater essas questões e buscar alternativas urgentes ao seu modelo mineral.

 

Nessa perspectiva, o objetivo dessa reportagem é analisar os planos de governo registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dos quatro candidatos à presidência da República que mais pontuaram nas últimas pesquisas de intenção de voto (consideradas entre 12 e 14 de setembro): Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet. Procuramos destacar como cada candidato propõe lidar com a atividade mineradora.

Também analisamos os planos de governo dos quatro candidatos que mais pontuaram até o momento aos governos dos estados do Pará e Minas Gerais, estados com maior participação na extração mineral do país, e cuja economia é profundamente subordinada à mineração. O Pará é o estado brasileiro com maior arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), os royalties da mineração, seguido de Minas Gerais. Portanto, em relação ao Pará, analisaremos os planos de governo dos seguintes candidatos ao governo do Estado: Helder Barbalho (MDB); Zequinha Marinho (PL); Adolfo Oliveira (PSOL) e Major Marcony (Solidariedade). Já em Minas Gerais, analisamos as propostas de três candidatos: Romeu Zema (Novo), Alexandre Kalil (PSD), e Carlos Viana (PL). Optamos por analisar somente três candidatos, porque, conforme a ordem de intenção de voto, Carlos Viana está em terceiro lugar nas pesquisas, e abaixo dele aparecem três candidatos empatados, logo, para mantermos a imparcialidade, precisaríamos discorrer sobre o plano de governo de todos, o que estenderia muito o texto.

Candidatos à presidência

Entre os candidatos à presidência da República, o primeiro passo foi examinar quais planos de governo citam diretamente a mineração.

 

Lula é o único candidato que cita a atividade mineradora considerando o meio ambiente, a sustentabilidade, os territórios e comunidades atingidas, conforme propõe nas diretrizes do seu programa de governo: “O Brasil é um grande produtor mineral, a atividade minerária deve ser estimulada por meio de maiores encadeamentos industriais internos e compromisso com a proteção ao meio ambiente, direitos dos trabalhadores e respeito às comunidades locais,” diz o documento.

O programa de Lula cita ainda a garantia da proteção do meio ambiente na extração mineral e em outros empreendimentos econômicos do país, além da defesa da Amazônia e do combate ao “crime ambiental de milícias, grileiros e madeireiros”. A minuta afirma também que “o padrão de regulação minerária deve ser aperfeiçoado e a mineração ilegal, particularmente na Amazônia, será duramente combatida”. No entanto, não faz qualquer referência direta de como irá evitar que novos crimes ambientais, como os da Samarco e da Vale voltem a ocorrer. Confira a íntegra do plano de governo de Lula

Jair Bolsonaro defende a mineração como um modelo de “desenvolvimento” aliado ao agronegócio. Em seu plano de governo, Bolsonaro aponta que pretende “fortalecer a capacidade de agregação de valor da agropecuária e da mineração” e que os dois setores se mostram importantes na performance econômica brasileira (…).” Além disso, cita que “a mineração é indispensável ao desenvolvimento socioeconômico do Brasil, sendo um dos setores básicos da economia nacional” e observa que o Brasil precisa alcançar um outro patamar em ambos os setores, agregando ainda mais valor à produção do setor agropecuário e de minérios”. Por fim, a minuta descreve que “após a reeleição, devem ser estimuladas empresas modernas de beneficiamento, incluindo cooperativas, pequenos e grandes produtores”. No entanto, as promessas são falaciosas e não condizem com a prática de Bolsonaro, considerando que durante todo seu governo estimulou a exportação de minerais sem beneficiamento. Em junho deste ano foi publicado um decreto do governo Bolsonaro que promove abertura para exploração do lítio e permite que empresas multinacionais explorem regiões já empobrecidas pelos processos históricos de mineração, como o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais conforme matéria publicada aqui no nosso site.

O plano de governo de Bolsonaro também não cita as comunidades e territórios atingidos pela mineração, meio ambiente e sustentabilidade são citados de forma geral.  O programa demonstra que ele pensa a atividade minerária como um modelo de agronegócio e a política ambiental adotada durante seu governo é criticada duramente no Brasil e no exterior.  Leia aqui o plano de governo de Bolsonaro.

As diretrizes do governo de Simone Tebet são baseadas em quatro eixos centrais, um deles é a defesa da economia verde e desenvolvimento sustentável, no entanto, em relação à mineração, ela só cita o termo diretamente ao afirmar “que pretende combater a mineração ilegal”Confira a íntegra do plano de governo de Simone Tebet.

Mineração em terras indígenas e de quilombolas

 

A minuta de Bolsonaro propõe o etnodesenvolvimento- termo que compreende o respeito à autonomia e à autodeterminação das Comunidades Indígenas realizadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). No entanto, não explica se combaterá a mineração em terras indígenas e quilombolas. Durante seu mandato, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto que propõe a regulamentação da mineração em terras indígenas, porém, a proposta não avançou, por seu caráter inconstitucional e destruidor das comunidades.

O texto de Ciro Gomes destaca que as “reservas territoriais destinadas aos indígenas devem ser respeitadas, preservadas e não devem ser exploradas de forma ilegal por outros grupos étnicos”. Leia aqui o plano de governo de Ciro Gomes.

Simone Tebet também não fala sobre a questão de forma específica, mas seu programa de governo defende que se “cumpra rigorosamente a legislação na defesa dos direitos dos povos originários e na proteção de seus territórios”.

Conheça o Plano de Governo dos candidatos ao governador do Pará

Em relação aos planos de governo registrados no TSE dos quatro candidatos com maior número de intenção de voto ao governo do Pará nas eleições de 2022, analisamos as propostas de Helder Barbalho (MDB), Zequinha Marinho (PL), Adolfo Oliveira (Psol), e Major Marcony (Solidariedade).

 

Além disso, não há nenhuma referência à arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), os royalties da mineração, nas propostas dos referidos candidatos.

A única menção à mineração no plano de governo de Helder Barbalho (MDB), é a proposta de fortalecimento institucional de modernização dos órgãos e políticas estaduais relacionados às questões fundiária, ambientais e minerais. Não faz referência à mineração ilegal em seus territórios, sobretudo em áreas da floresta Amazônica, tampouco apresenta propostas sobre o controle da mineração em terras indígenas e quilombolas.  Veja aqui o plano de governo de Helder Barbalho.

O plano de governo de Zequinha Marinho (PL), candidato apoiado por Bolsonaro, não faz nenhuma referência ao tema. Veja aqui o plano de governo de Zequinha Marinho.  

O plano de governo de Adolfo Oliveira (Psol) critica o modelo econômico que impera há décadas na Amazônia e no Estado do Pará, que considera “inadequado e insustentável, por não harmonizar as multidimensões da vida. Ele propõe um modelo que possa integrar economia, natureza, mulheres, homens, crianças e jovens. Se esse novo modelo fosse colocado em prática, diz o documento, “grandes empresas e os projetos econômicos (sobretudo os ligados à mineração) teriam obtido suas receitas vultosas (como têm obtido desde sempre), mas existiria uma população feliz e saudável, porque possuiriam a sua disposição a oferta de empregos dignos, obras e serviços públicos necessários à garantia de sua qualidade de vida”.

O documento cita ainda a utilização do orçamento para que ele sirva aos interesses públicos, sobretudo o combate à pobreza e o estímulo às atividades econômicas. Assim propõe o agronegócio e a mineração devam operar dentro de uma governança estatal que assegure o respeito ao meio ambiente e à população paraense. Por fim, o plano de governo de Adolfo Oliveira pretende fomentar a verticalização da produção no Estado do Pará para que os “recursos minerais e naturais sejam transformados e vendidos por valores maiores, deixando um rastro de externalidades positivas, tais como, a geração de emprego e o fim da dependência econômica sustentada pela mineração e a produção de commodities”. Veja aqui o plano de governo de Adolfo Oliveira.

Major Marcony (Solidariedade) diz que pretende “ampliar e melhorar os investimentos de fortes grupos econômicos de fora, que se concentram nas áreas de mineração”. E diz ainda que deve fomentar a mineração para gerar emprego e renda. Nenhuma outra proposta sobre o tema é apresentada.  Veja aqui o plano de governo do Major Marcony.

Conheça o Plano de Governo dos candidatos ao governo de Minas Gerais

Em relação aos planos de governo registrados no TSE dos três candidatos com maior número de intenção de voto ao governo de Minas Gerais nas eleições de 2022, analisamos as propostas do atual governador Romeu Zema (Novo), Alexandre Kalil (PSD) e Carlos Viana (PL).

Minas Gerais convive há cerca de sete anos com o luto e os impactos de dois  dos maiores  crimes socioambientais do país – o rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho que ceifaram a vida de pessoas e animais, destruíram rios, nascentes e modificaram o modo de vida das comunidades das bacias do Rio Doce e Paraopeba. A atividade minerária é um tema central que envolve questões econômicas, sociais e culturais no Estado, e os três planos de governo analisados apresentam diferentes propostas sobre o modelo de mineração e o papel da gestão estadual frente à atividade minerária.  

O candidato à reeleição, Romeu Zema (Novo), não desenvolve muito o tema da mineração, tratando-a como mais uma das atividades econômicas desenvolvidas no estado, que para ele, são muito “dinâmicas, seja a partir da mineração, do agronegócio, do aço ou da própria agropecuária”. Ele também caracteriza os rompimentos das barragens como “situações excepcionais”. Veja aqui o plano de governo de Romeu Zema.

O candidato apoiado por Lula, Alexandre Kalil (PSD), afirma que é responsabilidade do governo fiscalizar a atuação das mineradoras e construir um outro modelo de gerenciamento da atividade. Kalil critica o modelo da atual gestão que tem permitido o “ataque aos patrimônios culturais e naturais, favorecendo a mineração predatória”. Para Kalil, atualmente, “o custo do minério está muito atrativo e a mineração tem se expandido pelo estado, mesmo quando o minério encontrado é de baixo teor. Mas se a atividade minerária não for bem gerenciada, ela poderá criar problemas graves, como aqueles que ocorreram em 2015 (em Mariana) e em 2019 (em Brumadinho). O atual Governo do Estado tem uma relação de subserviência à mineração e, além disso, o custo de degradação ambiental tem sido muito expressivo,” descreve o documento.  Veja aqui o plano de governo de Alexandre Kalil.

O plano de governo de Carlos Viana (PL) não traz uma referência direta à mineração, mas afirma que Minas Gerais não pode continuar convivendo com a sensação de perda, pois, desde que o ciclo do ouro teve fim, “foi tomando forma nítida a sensação de que Minas Gerais estava se tornando cada vez menos rica, promissora e importante no cenário nacional” e que o estado precisa retomar seu protagonismo, porém, não traz nenhuma proposta concreta em relação à mineração. Viana, candidato apoiado por Bolsonaro, afirma que pretende ampliar a oferta de cursos nas temáticas regionais, entre elas, uma eventual mineração sustentável sem, no entanto, elaborar o que isso significaria. Veja aqui o plano de governo de Carlos Viana.

Analisando as propostas, concluímos que vários temas importantes são ignorados pelas propostas, como a ampliação da fiscalização e monitoramento de barragens de rejeito, sobretudo em Minas Gerais. Um relatório divulgado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) mostrou que o Brasil tinha 187 barragens em estado crítico em 2021, 66 delas ficam em Minas Gerais. De 2020 para 2021, o número de estruturas nessa situação cresceu 53%, aponta o relatório. Nem as propostas dos candidatos ao governo de Minas Gerais trazem propostas concretas e com profundidade sobre o tema. Não há propostas sobre como priorizar e investir adequadamente os recursos da CFEM e seu repasse para a criação de fundos de diversificação econômica para diminuir a dependência dos territórios em relação à essa atividade. Também não há propostas sobre as Áreas Livres de Mineração; mineração ilegal; projetos do atual governo que intensificam a exploração predatória e permitem que multinacionais explorem regiões já empobrecidas pelos processos históricos de mineração; como coibir projetos de construção de usinas que podem desencadear desastres ambientais; a criação de canais efetivos de participação popular na mineração, pois, os atuais projetos de mineração prometem desenvolvimento e aumento de emprego e renda, mas são pensados pelos governos e as grandes corporações, não envolvem o povo e comunidades que vivem nas áreas atingidas e entorno no processo. Por fim, temas como licenciamento ambiental; conflitos nos territórios indígenas envolvendo a mineração, também são ignorados. Os candidatos têm muito ainda a avançar em relação as propostas para a mineração.

Marci Hences é jornalista no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.

 

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