Apesar do avanço que a eleição de Lula representa ao meio ambiente, o aumento de parlamentares eleitos ligados a mineradoras e agronegócio dificultam a agenda ambiental, a exemplo da Frente Parlamentar da Mineração “Sustentável” ligada a partidos de direita, que tem como objetivo expandir a mineração no país

 O discurso e as práticas a favor do garimpo adotado por Bolsonaro enquanto presidente, beneficiaram o avanço da mineração em território nacional, e engendraram o aumento no número de parlamentares eleitos em 2022 que atendem o lobby promovido pelo agronegócio, grandes corporações de empresas e mineradoras. A pressão desse bloco ainda mais conservador e hostil ao meio ambiente na atual legislatura, com muitos de seus membros empurrando uma agenda anti-ambiental e negação da mudança climática, em um Congresso em que eles já dominavam, pode ser um obstáculo para os esforços que visam frear o desmatamento e a destruição ambiental que se tornou a marca do governo Jair Bolsonaro, apesar das promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, à agenda ambiental.

Em resposta ao lobby de grandes corporações e mineradoras, defensores históricos da mineração e do garimpo no Congresso Nacional se uniram para lançar a “Frente Parlamentar da Mineração Sustentável” (FPMin) na última semana. Apesar do termo “sustentável”, o objetivo da frente – ligada ao bolsonarismo e aos partidos de extrema direita – é defender no parlamento a expansão da mineração no país. Os deputados e senadores que compõem a nova frente receberam o incentivo de empresas ligadas ao setor mineral, presentes no lançamento, e do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), organização que representa 85% das empresas e instituições que atuam no setor mineral no Brasil.

A frente é presidida pelo deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG) e tem dois vice-presidentes. Um deles é o senador Zequinha Marinho (PL-PA). O outro, o deputado federal José Rocha (União Brasil-Bahia). Zé Silva é coordenador da comissão de agricultura familiar da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), e líder do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) no Congresso Nacional. Romeu Zema, conhecido aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, defende abertamente projetos pró-mineração no estado mineiro.

Integrante da bancada do garimpo, o senador Zequinha Marinho (PSC-PA) foi um dos presentes à cerimônia de lançamento, em Brasília. Aliado do deputado federal Éder Mauro (PL-PA) – um dos maiores defensores da regulamentação do garimpo em Terras Indígenas – o senador Zequinha Marinho é um dos nomes mais expoentes no Congresso da invasão de áreas protegidas, para fins de mineração.

Associar mineração e sustentabilidade é no mínimo, contraditório, e apesar da grande mídia ter aderido ao discurso da “sustentabilidade”, afirmando que a nova frente parlamentar busca solução sustentável para o garimpo, a sustentabilidade se encerra se encerra em seu título. A FPMin conta com assinaturas de mais de 200 deputados para sua criação, em sua maioria, parlamentares mineiros que defendem abertamente um projeto a favor da mineração no Estado, mas também possui integrantes de todos os estados do país pró-mineração.

O deputado Zé Silva disse que um dos objetivos da frente é “modernizar a legislação brasileira” para a mineração, entre eles, o Novo Código de Mineração. O Código de Mineração é de 1967.

Deputado Zé Silva, no lançamento da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável no Congresso Nacional. Créditos: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Por trás da ideia de modernização do Código de Mineração, o intuito é fragilizar a fiscalização de áreas protegidas, dispensar o licenciamento em alguns casos, e facilitar projetos de exploração e pesquisa mineral no país. As mudanças também visam facilitar a captação de recursos por mineradores no mercado financeiro.

Entretanto, o grupo tem consciência que enfrentará resistências. Primeiro, é preciso reverter a imagem do setor, abalada após a crise humanitária instaurada no Território Indígena Yanomami, em decorrência do garimpo ilegal em Roraima. O governo do presidente Lula, eleito com a promessa de acabar com garimpos em territórios indígenas, enfrentar a agenda das mudanças climáticas e reverter os últimos quatro anos de políticas destrutivas para a Amazônia. 

Mas ainda restam muitas dúvidas de como viabilizar uma profunda mudança num sistema que é prática frequente no Brasil há 500 anos, e como enfrentar um Congresso cujos Parlamentares alinhados às mineradoras reforçaram sua presença nas eleições de 2022. O lançamento da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável também é uma resposta às empresas ligadas ao setor mineral que financiaram a campanha de grande parte desses parlamentares, por meio da prática conhecida como lobby.

O lobby de entidades ligadas a empresas de mineração e garimpos com os poderes Executivo, Legislativo, e Judiciário não é uma novidade. O lobby de mineradoras vem travando a tramitação de projetos de interesse público há décadas no Congresso Nacional brasileiro. A indústria da mineração financia campanhas políticas de deputados e órgãos públicos, e exerce pressão para garantir que os interesses das empresas do setor prevaleçam sobre a proteção ao meio ambiente e os direitos das populações locais.

Para atender o lobby de mineradoras, em fevereiro de 2020, Bolsonaro assinou o projeto de lei (PL 191/2020) que permitiria a mineração dentro de Terras Indígenas. Esse foi um dos temas centrais votados na Câmara dos Deputados no primeiro semestre de 2022, e o grupo pretende retomar o espaço da mineração na pauta legislativa.

Um Congresso ainda mais ameaçador ao Meio Ambiente

Na Câmara dos Deputados, das 513 vagas, 294 parlamentares, que corresponde a 57%, garantiram a reeleição. Na bancada Ruralista, 56% de seus membros foram reeleitos. Além disso, novos candidatos associados ao setor do agronegócio, e bolsonaristas foram eleitos tanto na Câmara como no Senado, onde 27 vagas estavam sendo disputadas.

Entre eles está Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do meio ambiente de Bolsonaro. Salles pediu demissão do cargo em junho de 2021, após a Polícia Federal (PF) do Amazonas apresentar no Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime contra o então ministro, acusando-o de estar envolvido com o contrabando de madeiras raras para os Estados Unidos. Todavia, nem uma investigação em andamento sobre o corte ilegal de madeira impediu que Ricardo Salles recebesse 640.918 votos, tornando-se o 4º parlamentar mais votado do país para a Câmara Federal.  

Ricardo Salles soma-se ao Congresso cuja maioria, 351 dos 513 membros atuais continuam impassíveis às questões socioambientais. O Partido Liberal de Bolsonaro aumentou sua participação em 30%, passando de 76 para 99 cadeiras na Câmara dos Deputados, enquanto os partidos de direita elegeram 187 deputados e detém 36% dos assentos na Câmara. Os parlamentares aliados a Lula representam 21%, com 108 parlamentares. Mas com uma Câmara já bastante dividida, com cerca de 20 partidos políticos eleitos por representação proporcional, o centro-direita, conhecido como “Centrão”, sem ideologia, e mais preocupado com seus interesses – aliando-se com quem está no poder, ainda domina as pautas do Congresso.

 O ex-ministro Ricardo Salles, que se demitiu enquanto estava sob investigação por suposto esquema de corte ilegal de madeira, foi eleito para a Câmara com 641.000 votos, é o quinto mais votado entre os candidatos ao legislativo do país. 
Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Em fevereiro de 2023, ainda em meio ao enfrentamento à crise humanitária sofrida pela população Yanomami, alguns parlamentares já se esforçavam para retomar a discussão sobre a legalização da mineração dentro ou próxima de terras indígenas na Amazônia. Saullo Vianna (União-AM) buscou articular com o governo a liberação de um ponto de escavação de potássio na região. Esse era um dos objetivos do PL 191/2020, que tentava permitir acesso às jazidas de cloreto de potássio, matéria-prima de fertilizantes agrícolas. O Projeto Potássio já possui a Licença Prévia (LP), e aguarda a Licença de Instalação (LI) para a exploração da jazida.

O deputado federal Evair de Mello (PP-ES) apoia a iniciativa. Recentemente, Mello disse estar articulando junto a outros parlamentares defensores da proposta para pautar novamente a mineração em terras indígenas, cujo projeto de lei aguarda a indicação dos membros de seu grupo de trabalho para seguir a tramitação.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), reeleito em Alagoas com doações do garimpo, articulou em 2022 para usar o Grupo de Trabalho que iria debater o PL 191/2020, para aprovar o novo Código de Mineração. No ano passado, Lira criou um grupo de trabalho que ficou responsável por produzir um pré-projeto do novo código. O texto ainda não apresentado formalmente como proposição à Câmara dos Deputados, mas o parecer foi aprovado em dezembro de 2022 e aguarda a tramitação.

O deputado federal reeleito, Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da Saúde no governo Bolsonaro, foi autor do requerimento que aprovou a urgência do projeto que libera a mineração em terras indígenas. Em agosto de 2020, o parlamentar inaugurou a RC6 Mineração, empresa com sede no Paraná. Em março de 2022, a empresa passou a compor o quadro societário da Sulpar Mineração, fundada em 31 de março do mesmo ano, com sede no município de Marabá (PA). A Sulpar tem como sócios o empresário Giovanni Ribeiro Amorim, dono de mineradoras no Pará e em Minas Gerais, que atua na exportação de manganês.

Um dos principais nomes na defesa da mineração em território indígena é José Medeiros (PL-MT), deputado federal, reeleito em 2022, que foi vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara. Ele é autor do projeto de lei 571/2022, que prevê a adição no Código de Minas de “condições especiais ao exercício de atividade minerária em caso de interesse à soberania nacional”. Esse PL tem o objetivo de facilitar o avanço do garimpo e da mineração em terras protegidas

No Senado, a hostilidade ao Meio Ambiente é ainda maior

O Senado, que nos últimos quatro anos conseguiu frear projetos de desregulamentação ambiental aprovados pela Câmara dos Deputados, equilibrando as votações mais agressivas, o PL de Bolsonaro elegeu 14 dos 27 assentos, tornando-se o maior partido da Casa. O Partido dos Trabalhadores (PT) elegeu 13 assentos, e o União Brasil, aliado do PL, 12.

Entre os nomes eleitos pelo bolsonarismo, destaca-se o catarinense Jaime Bagattoli, eleito senador por Rondônia; Wilder Morais em Goiás, e no Mato Grosso, o bolsonarismo elegeu Wellington Fagundes.

O senador eleito Alan Rick (União-AC), bolsonarista, enquanto deputado, votou favorável ao PL 2633/2020, conhecido como o PL da Grilagem, Alan Rick também votou favorável ao PL 2633/2020, conhecido como o PL da Grilagem, que afrouxa as regras sobre a titulação de áreas que podem ter sido alvo de invasões na Amazônia. 

Em Roraima, foi eleito senador o ex-deputado federal Dr. Hiran Gonçalves (PP-RR), conservador e antiambiental. Na primeira semana de fevereiro de 2023, Dr Hiran pediu um termo de ajustamento de conduta ao Ministério Público Federal (MPF) para que os garimpeiros que estão clandestinamente na Terra Indígena Yanomami fossem retirados sem uso de força.

Para o Senado foi eleito também Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que durante seu mandato como vice-presidente da República foi o interlocutor de diversos encontros com lobistas do garimpo.

Lula precisará usar influência no Congresso para evitar novos retrocessos

Presidente Lula com a presidente da Funai, Joênia Wapichana, Sônia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas e deputada federal Célia Xakriabá

A eleição de Lula foi vista com otimismo entre os defensores da pauta ambiental no cenário internacional. Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima (OC), que reúne 73 organizações da sociedade civil brasileira, e ex-chefe do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), disse, por telefone, que Lula tentará criar alianças no Congresso entre centro-direita e centro-esquerda para evitar novos retrocessos ambientais. Ainda assim, Lula enfrenta um Congresso mais conservador desde o final da ditadura militar na década de 1980.

Segundo Suely Araújo, as organizações que atuam no Brasil pela proteção ao meio ambiente, esperam que o governo Lula assuma essa agenda que ele prometeu durante a sua campanha, e atue como contraponto ao Congresso Nacional. Suely observou que nomes que compõem o Congresso Nacional não incorporaram, nem em momento de tragédias ambientais, a conscientização sobre a urgência de conter a crise climática, e continuam defendendo retrocessos. “Como a política ambiental é regulatória, esses parlamentares veem a legislação ambiental como um entrave que precisa ser removido. Entretanto, a destruição ambiental é um tiro no pé, pois acaba com recursos não renováveis, e causará danos irreversíveis, a nós e às gerações futuras,” ponderou. Suely Araújo lembrou que diversos empreendimentos – como a mineração – seguem nessa linha de destruição.

Mulheres indígenas e Marina Silva devem liderar a oposição contra a agenda do agronegócio e da mineração no Congresso

Enquanto o Congresso se tornou ainda mais conservador, houve também um aumento da diversidade entre os partidos de esquerda, com a eleição de fortes aliadas ao combate ao desmatamento e a mineração em Terras Indígenas. Um nome de destaque é Marina Silva (Rede-SP), que foi ministra do Meio Ambiente de Lula e eleita deputada federal nessa legislatura. Marina assume novamente a pasta do Meio Ambiente (MMA), e será uma importante aliada de Lula para dar um novo impulso à agenda climática.

A eleição de Sônia Guajajara (Psol-SP), nomeada uma das “100 Pessoas Mais Influentes” da revista Time no início deste ano, e Célia Xakriabá (Psol-MG), lideranças centrais do movimento indígena, para a Câmara dos Deputados, representam uma importante visibilidade e defesa dos povos indígenas cujos direitos e terras foram aviltadas brutalmente durante o governo de Bolsonaro.

Sônia Guajajara e Célia Xakriaba

Célia Kakriabá é liderança indígena do povo Xakriabá, doutoranda em antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e foi eleita com mais de 100 mil votos. Sônia Guajajara, ativista ambiental reconhecida internacionalmente, foi indicada por Lula para assumir o Ministério dos Povos Indígenas, uma sinalização histórica que simboliza o início da reparação da invisibilidade dos povos indígenas. Antes delas, só outros dois representantes dos povos indígenas tinham sido eleitos deputados: Mário Juruna (PDT-RJ) em 1982 e Joenia Wapichana (Rede-RR), eleita em 2018, mas não atingiu votação suficiente para se reeleger em 2022.

Como ministra do Meio Ambiente, Marina Silva defende que o Brasil deve assumir a liderança ambiental internacional. A empreitada é considerada árdua para alguns ativistas ambientais, sobretudo após o desmonte das instituições federais responsáveis ​​pela proteção ambiental, mas Suely Araújo considera que a eleição de Lula deve mudar esse cenário. “Lula assumiu importantes compromissos na agenda ambiental, e seu governo é um governo de coalizão, então, a expectativa é que a atuação do Executivo e sua influência no parlamento, conseguirá barrar projetos de lei que incentivam a degradação ambiental, e violam os direitos dos povos indígenas,” esclareceu Suely Araújo.

Marci Hences é jornalista no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração e 

           

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