Quais são as propostas dos candidatos para a atividade mineradora?
Tádzio Peters Coelho[1]
A atividade mineradora passou por intensa expansão no Brasil durante os anos 2000. Desde então, o minério de ferro está entre os três principais produtos de exportação da economia brasileira. Os possíveis efeitos da atividade, como os recentes crimes socioambientais da Norsk Hydro, em Barcarena, e da Samarco, na bacia do rio Doce, ressaltam a importância do debate acerca da mineração envolvendo toda a sociedade brasileira. Com a proximidade das eleições, foram publicados os programas de governo dos candidatos à presidência e este é, ou deveria ser um dos temas destacados na discussão entre os candidatos. O objetivo deste texto é analisar os planos de governo dos candidatos à presidência destacando como cada candidato propõe lidar com a atividade mineradora.
Antes, vale explicar que os planos de governo apresentados são diretrizes gerais para a atuação dos candidatos, caso eleitos. Por isso o conteúdo dos programas é resumido e tenta abordar temas diversos e complexos que acabam não sendo contemplados em sua inteireza.
O primeiro passo foi examinar quais planos de governo citam diretamente a mineração. Apenas os candidatos situados no campo progressista citam diretamente a mineração: Ciro Gomes (PDT), Lula (PT) e Guilherme Boulos (PSOL). Os programas de Marina (REDE), Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB), Álvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (NOVO) e Cabo Daciolo (Patriota) não citam a atividade mineradora.
O programa do candidato Jair Bolsonaro (PSL) não cita a atividade mineradora, mas menciona o grafeno e o nióbio. Segundo o programa, o Brasil se tornaria um “centro mundial de pesquisa e desenvolvimento” em nióbio e grafeno. A experiência para tanto estaria numa visita que Bolsonaro fez ao Japão, onde se desenvolve tecnologia de submarinos nucleares. Além da evidente lacuna na maneira através da qual o país se tornaria um centro de desenvolvimento e pesquisa em nióbio e grafeno, a pauta do nióbio em particular é superestimada. Aparecendo recorrentemente nos discursos de Bolsonaro, o nióbio seria o trampolim para a redenção econômica e social do Brasil. Entretanto, as características do mercado de nióbio são mais complexas do que aparecem no discurso do candidato. O nióbio é utilizado em geral para a produção de ligas metálicas, fornecendo maior resistência ao material. Em torno de 98% das reservas conhecidas no mundo estão no Brasil, sendo responsável por mais de 90% do volume comercializado no planeta. Porém, outros minerais podem substituí-lo nesta função, tal como o vanádio e o titânio, possibilitando que, no caso de aumento do preço do nióbio, este seja substituído por outros materiais. Ainda, a quantidade de nióbio necessária para conferir resistência às ligas é mínima, fazendo com que as outras reservas minerais presentes em outros países, mesmo que de menor extensão, sirvam para a indústria por muito tempo. Assim, dificilmente o nióbio seria um recurso base para o desenvolvimento de um país como o Brasil. Também a criação de centros de pesquisa destes minerais pelo governo contradita com o pressuposto central das propostas de Bolsonaro, que defende a diminuição da ação do Estado em favor do Mercado. Sendo assim, o tema do nióbio surge mais como manobra que visa angariar votos do que como proposta efetiva. Ainda, o plano de governo de Bolsonaro exclui do escopo de propostas os principais minerais da economia brasileira, tal como o ferro, o ouro, o cobre, dentre outros, mostrando equívoco ou desconhecimento da economia mineradora brasileira. Por fim, o plano de Bolsonaro nada diz acerca da insuficiente CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais do nióbio, apenas 3% da receita bruta das empresas[2].
Entende-se que pela omissão do tema da mineração, ou pela referência limitada, aliada às outras propostas dos programas, os candidatos Bolsonaro, João Amoêdo, Henrique Meirelles, Cabo Daciolo, Marina, Geraldo Alckmin e Álvaro Dias consideram-na de menor relevância ou presumem que esta atividade não deva ser alvo central da ação do Estado. As duas concepções são equivocadas. A mineração afeta milhões de pessoas ao longo do território brasileiro por meio de minas, usinas, barragens de rejeito, ferrovias, minerodutos e portos, impacta decisivamente lençóis freáticos e rios, o que a torna de extrema relevância para o debate público, contrariando a ideia de ser uma atividade irrelevante. Levando em conta as outras propostas dos referidos candidatos, o mais provável é que pressupõem que a mineração deva ser objeto predominantemente da ação do mercado, que determinaria os preços e as quantidades de equilíbrio da economia, impedindo que possíveis distorções fossem produzidas pelo Estado. De acordo com diversos relatórios produzidos após o rompimento da barragem de Fundão, o intenso ritmo de expansão e alteamento da barragem, acima do recomendado, buscando acompanhar a aceleração da extração mineral e o consequente aumento na geração de rejeitos, e a diminuição de custos com o monitoramento da barragem, justamente variáveis de mercado que visam o incremento da taxa de lucro no curto prazo, foram as principais causas do rompimento. Assim, é preocupante que a maior parte dos candidatos à presidência simplesmente ofereça à ação das forças de mercado a gestão do setor minerador.
Marina merece uma menção mais detalhada, pois tradicionalmente a pauta ambientalista é central em suas propostas. Considerando o ambientalismo como pauta tradicional de Marina, impressiona a omissão no programa de Marina da atividade mineradora e dos crimes socioambientais de Mariana e Barcarena. Ainda, confirmando o ambientalismo como pauta frequente da candidata, a sustentabilidade é uma das diretrizes do programa de Marina. Entretanto, fica difícil saber como essa sustentabilidade será atingida se a mineração sequer é citada no plano de governo.
O único programa dos candidatos do campo da esquerda que não cita diretamente a mineração é o de Vera Lúcia (PSTU). Entretanto, a empresa Vale aparece como objeto de suas propostas. A empresa, que foi privatizada pelo governo de Fernando Henrique em 1997, seria reestatizada caso a candidata do PSTU seja eleita.
Defendendo um “plano nacional debatido por toda a sociedade”, Ciro Gomes coloca em pauta uma aliança entre os setores público e privado que estabeleça “políticas de desenvolvimento focadas na expansão da competitividade dos setores produtivos”, tal como a mineração, que gera importantes “divisas para as contas externas do país”. Ainda, a mineração aparece quando o plano trata da relação com a China, que deve ser reconstruída e condicionada pela colaboração com o governo brasileiro e as empresas. Apesar de ser um primeiro passo, as políticas de desenvolvimento quando restritas aos interesses de empresas multinacionais e governo implicam em expansão do setor sem contrapartida para as populações das regiões afetadas pela mineração. Ainda, estas populações costumam sofrer com os notórios impactos e danos causados pela atividade. Sendo assim, qualquer política voltada para a mineração deve ter no centro de seu processo deliberativo os interesses desta população, o que não pode ser constatado no plano de governo de Ciro Gomes.
O programa de Lula, alinhado às propostas de movimentos sociais, tal como o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), propõe um novo modelo de mineração. Esta proposta está diretamente associada à ideia de soberania nacional e popular, tema do 1º capítulo do plano de governo. A soberania popular e nacional envolve uma ampla reforma política com participação popular, que busca aprofundar a democracia. Assim, também o modelo de mineração vigente no Brasil seria substituído por um novo modelo envolvendo forte participação popular. Este novo modelo envolveria a criação de um novo marco regulatório da mineração guiado pelos interesses populares e nacionais. Destaca-se neste novo modelo “a instituição de políticas para as comunidades atingidas pela mineração”. Também se coloca como proposta o incremento da fiscalização e da regulação da atividade mineradora, duas medidas essenciais para evitar violações como as de Mariana e Barcarena, que são citadas no programa.
O plano de governo de Guilherme Boulos (PSOL) trata com maior acuidade os temas em parte por ser o mais extenso dos programas. O plano de Boulos faz um longo e acertado diagnóstico acerca das condições da mineração no Brasil: as mudanças legislativas na mineração a favor da iniciativa privada, durante o governo Temer; o aumento no campo de tragédias ambientais, como as de Mariana e Barcarena; o desmatamento da Mata Atlântica causada pela atividade mineradora; a destruição de rios e aquíferos pelo agronegócio e a mineração; a apropriação privada de territórios pelas empresas mineradoras. As propostas do plano para a mineração são a nacionalização do setor de mineração e a desapropriação de “terras de empresas que são responsáveis por grandes tragédias sociais e ambientais”, como é o caso da Samarco.
Apesar de propostas importantes em alguns planos de governo, e mesmo considerando os limites de programas que lidam com temas gerais, o debate sobre a atividade mineradora está muito aquém do necessário. Vários são os assuntos importantes ignorados pelas propostas, tais como a criação de canais efetivos de participação popular na mineração, ampliação da fiscalização e monitoramento de barragens de rejeito e outras infraestruturas, a insuficiência da CFEM e os repasses para a educação e a saúde, a diversificação econômica das regiões mineradas, as Áreas Livres de Mineração e a situação do garimpo e dos trabalhadores de grandes mineradoras. Considerando os planos dos candidatos à presidência, a discussão sobre a mineração tem muito a avançar.
[1] Sociólogo e Pesquisador do Centro Ignácio Rangel de Estudos do Desenvolvimento e do Grupo de Pesquisa e Extensão PoEMAS – Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade.
[2] A CFEM era calculada após o desconto dos tributos incidentes sobre comercialização, das despesas de transporte e dos seguros. Com o lançamento da Medida Provisória nº 789/2017, convertida na Lei nº 13.540, de 2017, a base do cálculo passa a incidir sobre a receita bruta da venda, deduzidos os tributos incidentes sobre sua comercialização, pagos ou compensados, de acordo com os respectivos regimes tributários.