No dia 14 de fevereiro o Gabinete do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes publicou decisão que inclui uma minuta de Anteprojeto de Lei Complementar que, entre outras coisas, autoriza a mineração em Terras Indígenas (TIs). Faltando oito meses para a realização da COP 30 no Brasil, em plena Amazônia, é no mínimo irresponsável querer autorizar a mineração em terras indígenas: pois os territórios indígenas são o principal impeditivo para o desmatamento.
Segundo o MapBiomas, as TIs estão entre as principais barreiras contra o avanço do desmatamento no Brasil. Nos últimos 30 anos perderam apenas 1,2% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 19,9%. As TIs ocupam 13,9% do território brasileiro e contêm 115,3 milhões de hectares de vegetação nativa, o que correspondia, em 2021, a 20,4% da vegetação nativa no Brasil.
A mineração em grande escala pode induzir desmatamento a uma distância de até 70 km das minas, ou seja, não é possível acreditar que se pode minerar num pequeno espaço do território sem impactar o território todo e os indígenas do local.
Com isso, a liberação da mineração em TIs pode aumentar em cerca de 20% a área potencialmente desmatada na Amazônia decorrente da mineração.
Os prejuízos seriam enormes, esse desmatamento pode representar perdas anuais de mais US$ 5 bilhões, relativas à mitigação das mudanças climáticas, produção de alimentos e matérias primas, além da regulação do regime de chuvas.
O desmatamento induzido pela mineração é causado pela abertura das minas e pela construção da infraestrutura (barragens, pilhas de rejeito, rodovias etc.), podendo ser até 40 vezes maior que o desmatamento causado pelas minas em si, considerando regiões isoladas da Amazônia.
A abertura de estradas e aeroportos e o grande fluxo de pessoas pode facilitar a entrada da mineração ilegal e do narco garimpo nas Terras Indígenas.
A Câmara de “Conciliação” foi motivada pelas ações sobre a Lei 14.701/2023, que tem como centro a demarcação das TIs e a “Tese do Marco Temporal”. A liberação da mineração em TIs é fruto de manobras do Centrão e do lobby do setor mineral. Entre as ações de inconstitucionalidade propostas, o Partido Progressista (PP) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 86) que requeria, entre outras coisas, que o STF criasse dispositivos relativos à pesquisa e lavra mineral. Ao mesmo tempo, algumas das propostas incorporadas ao documento foram feitas por Luís Inácio Lucena Adams que, além de representar o PP na Câmara de “Conciliação”, também advoga para a mineradora Potássio do Brasil, que tem interesse em extrair potássio numa área ocupada pelo povo Mura no Amazonas. Essa combinação de fatores levou à inclusão desse “jabuti” na minuta de norma elaborada por Gilmar Mendes.
Gilmar Mendes encampou de tal forma o discurso a favor da mineração em TIs que em uma proposta que deveria ser sobre a “Tese do Marco Temporal”, aproximadamente um terço dos artigos estão vinculados à regulamentação da mineração.
Melissa Curi, pesquisadora da UnB e consultora socioambiental, afirmou em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos que: “Os artigos 231 e 232 do capítulo da Constituição Federal que trata dos índios, da mineração em terra indígena, do aproveitamento dos recursos hídricos, da pesquisa e lavra de minerais em terras indígenas, determinam algumas condicionantes para a realização da atividade minerária. Por exemplo, para que possam acontecer a pesquisa e a lavra de recursos minerais nessas terras, é preciso uma autorização do Congresso Nacional, ouvir as comunidades indígenas afetadas e assegurar à comunidade uma participação nos resultados da lavra. Ou seja, a Constituição estabelece a necessidade de um Projeto de Lei (PL), isto é, de uma lei infraconstitucional que vai regulamentar essa matéria. Por isso se dá essa discussão toda no Congresso Nacional, inclusive a discussão em torno do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), com o ministro Gilmar Mendes querendo ‘furar a fila’ e colocar a pauta da mineração em terra indígena, com a justificativa de que estaria pacificando ambos os lados.
Mas a questão do Marco Temporal envolve a questão da demarcação das terras indígenas e não é essa a pauta central da mineração. Essa é só uma forma de querer encontrar caminhos para autorizar a mineração em Terras Indígenas, como fez o PL do executivo na época de Bolsonaro, quando o próprio presidente da República apresentou um PL para autorizar mineração e garimpo em terras indígenas.
Então, a autorização da mineração em terra indígena necessita de um projeto de lei que precisa ser discutido no Congresso Nacional. Ouvir as comunidades indígenas afetadas é um dos requisitos fundamentais. Sobre esse ponto há uma discussão muito forte porque não se trata de ouvir as comunidades simplesmente para manter um protocolo. Não. É para condicionar a decisão. Se a comunidade indígena não quer a atividade na terra indígena, ela deve ser respeitada porque isso está previsto na Constituição”.
—
Por: Comunicação Comitê